Oprimeiro-ministro regressa na terça-feira ao Parlamento, no âmbito da preparação do Conselho Europeu, de 24 e 25 de março. Mais de três meses depois, António Costa volta a estar presente num debate da Comissão Permanente, após a dissolução da Assembleia da República (AR), mas agora num contexto internacional bem diferente.
Com o início da guerra na Ucrânia, as consequências económicas do conflito tornam-se imprevisíveis, a necessidade de reforçar o investimento na defesa uma inevitabilidade, assim como um mais que previsível aumento na despesa nos apoios sociais para responder à chegada de refugiados. “Só uma Europa forte poderá continuar a apoiar a Ucrânia”, defendeu o primeiro-ministro, na sexta-feira, em Roma.
Costa pretende apresentar o novo Orçamento do Estado ainda em abril, mas as mudanças, impostas pelo cenário macroeconómico, serão muitas. Só no último mês, a invasão russa da Ucrânia levou o Governo português a aprovar um regime simplificado para acolher ucranianos e a tomar medidas para minimizar o impacto do conflito nos sectores da energia e da agricultura. E o chefe do Governo tem insistido que a Península Ibérica será um eixo fundamental para a União Europeia (UE) reduzir a dependência energética da Rússia, esperando que do Conselho Europeu de quinta e sexta-feira possam sair “decisões concretas e imediatamente aplicáveis” face ao aumento de custos da energia.
OPOSIÇÃO CRITICA RESPOSTA À SUBIDA DOS COMBUSTÍVEIS
Tem sido uma das principais frentes de batalha do Governo. Além do aumento do valor do Autovoucher de cinco para 20 euros mensais, o Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) passou a ter uma atualização semanal em meados deste mês – com exceção desta semana que o Executivo decidiu que o imposto não devia aumentar face à descida do preço dos combustíveis.
A oposição considerou as medidas insuficientes, criticando a carga fiscal sobre os combustíveis. Pelo PSD, Para Rui Rio a redução do ISP pelo valor do aumento extraordinário da receita de IVA era o “mínimo” que o Executivo poderia fazer face à “enorme carga fiscal” que criou sobre os combustíveis. Mas advertiu que redução do ISP “tem de ter em conta o preço médio de 2021”.
A Iniciativa Liberal (IL) lamentou, por sua vez que os portugueses paguem “mais de 60%” de impostos nos combustíveis, sublinhando que o Autovoucher “não é apenas um monumento à burocracia”, mas sim o “corolário da visão socialista” de que o Estado é dono do dinheiro dos cidadãos.
À esquerda, o PCP e o Bloco exigiram ainda este sábado mais medidas face à subida dos preços da energia, saindo em defesa da redução da taxa de IVA sobre eletricidade e gás para o escalão mínimo, a eliminação do adicional do ISP assim como a eliminação da dupla tributação sobre o ISP. “Há quem esteja a tirar proveito e a ganhar com a guerra”, acusou Jerónimo de Sousa. “Combater a guerra é também combater quem lucra com a guerra”, atirou Catarina Martins.
MAIS APOIOS PARA FAMÍLIAS E EMPRESAS
No sector da Energia, o Governo anunciou ainda este mês descontos de 10 euros em cada botija de gás para as famílias de menores rendimentos e €150 milhões de euros do Fundo Ambiental para a tarifa de acesso à rede, assim como um apoio extraordinário para o sector dos transportes de mercadorias.
O apoio extraordinário inclui um desconto nos combustíveis para o transporte de mercadorias de 30 cêntimos por litro de combustível até às 35 toneladas, e de 20 cêntimos por litro a partir das 35 toneladas. Já o desconto para o AdBlue (líquido de controlo de emissões poluentes) é de de 30 cêntimos por litro em todas as categorias.
Foi lançada ainda uma linha de crédito com uma garantia pública de “400 milhões de euros” e um “nível de garantia de 70% do montante financiado” para as empresas da indústria transformadora e do sector transportes que sofreram o impacto da situação na Ucrânia. Por outro lado, o Governo comprometeu-se a procurar novos países para importação de sementes de girassol e milho para ração de animais.
ABRIR A PORTA AOS REFUGIADOS
No âmbito da crise de refugiados, o Governo constituiu um grupo de trabalho interministerial e anunciou a criação de um regime simplificado para acolher cidadãos da Ucrânia. Com acesso automático ao número fiscal, de Segurança Social e de SNS através de um portal, os refugiados terão assim mais facilidade em procurar emprego e aceder a cuidados de saúde. Foi ainda criada uma plataforma eletrónica para registar os menores ucranianos que chegam sozinhos em Portugal ou em trânsito.
O PAN defendeu, contudo, que o Executivo deve “ir mais longe” neste âmbito e entregou uma iniciativa no Parlamento que propõe um pacote de medidas mais vasto para ajudar os cidadãos ucranianos. Aliás, o partido liderado por Inês de Sousa Real foi o que apresentou mais iniciativas no âmbito do conflito na Ucrânia.
Entre elas, o PAN sugeriu a colaboração do Governo com os organizadores de campanhas de solidariedade com vista à “centralização dos donativos recolhidos”, encaminhando-os por “canais seguros”; a aprovação da isenção de imposto de selo para as transferências de donativos em dinheiro para a Ucrânia ou para países limítrofes; e a criação de bolsas de estudo para os estudantes deslocados e o alargamento de programas de intercâmbio académico com instituições de ensino superior de países limítrofes da Ucrânia.
Em sentido oposto, entre o regime de sanções aprovado no final de fevereiro à Rússia, o Governo português procedeu à suspensão cautelar do processamento e análise de pedidos de vistos gold por parte de cidadãos russos. No entanto, o PAN pediu que a medida fosse alargada também aos cidadãos bielorussos – num requerimento entregue no Parlamento, o partido solicitou ainda a divulgação da listagem de beneficiários de vistos gold dos dois países.
FIM DO GRUPO DE AMIZADE PORTUGAL-RÚSSIA
As consequências da invasão russa na Ucrânia não ficaram por aqui. No início do mês, os deputados do PS e do PSD demitiram-se do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Rússia e apresentaram ao presidente da AR a proposta de extinção do organismo, na sequência do conflito na Ucrânia. Pelo Chega, André Ventura, seguiu o exemplo.
A proposta inclui o congelamento das relações bilaterais com o Parlamento russo – considerando os deputados sociais e sociais-democratas num documento que “a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia merece a mais veemente condenação” e contou, sem surpresa, com a oposição do PCP. O deputado comunista Duarte Alves saiu em defesa da manutenção de “canais de diálogo” com o país para alcançar a paz na Ucrânia.
Esta terça-feira será a última vez que António Costa marcará presença num debate da Comissão Permanente. Com o novo Parlamento a tomar posse a 29 de março, precisamente uma semana depois – segundo o Presidente da República – e o Governo a assumir funções no dia seguinte, o primeiro-ministro quer acelerar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). E tem o maior desafio à sua frente a seguir à pandemia, a recuperação económica face ao conflito na Ucrânia.