O Governo do PS entendeu que era possível alterar de forma profunda todos os Estatutos das Ordens Profissionais, em 10 dias.
Claro que começa por ser o primeiro a incumprir os seus próprios prazos, e por isso decidiu criar, dentro das várias ordens, uma primeira e segunda liga, tendo apresentado até à data apenas 8 dos 20 estatutos.
Contudo, bem sabemos, o que move estas alterações legislativas é a vontade de desregular completamente as profissões, esbatendo as suas fronteiras, e acima de tudo a ingerência nas associações públicas profissionais, que devem ser sempre independentes.
Não cabe, pois, ao Governo, pelo menos num estado de direito democrático, decidir a forma como se regem as Ordens Profissionais.
Mas ainda assim entendeu o Governo impor a criação de órgãos nas associações públicas profissionais com maioria de membros não inscritos nas mesmas, e a quem dará poderes de decisão em matérias como o estágio profissional e a imposição de taxas e emolumentos.
Esta alteração, trazida pela nova lei das associações públicas profissionais, consegue ainda modificar a forma como as sociedades profissionais laboram em Portugal, passando a deixar que estas existam sem qualquer controlo das respetivas associações, não existindo forma de garantir que quem exerce a atividade a exerce da forma legal e deontologicamente exigível.
A Ordem dos Advogados tem-se batido contra estas alterações, porque acima de tudo se colocam em crise os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos/ãs, já que estes, enquanto beneficiários dos serviços, terão acesso a serviços prestados não por profissionais qualificados, como hoje ocorre, mas por leigos ou meros curiosos, deixando os/as cidadãos/ãs completamente desprotegidos/as.
Não deixa de ser surpreendente que um Governo de esquerda lidere uma alteração desta natureza, colocando o ónus no lado mais fraco. Isto porque, quem passará a estar mal representado será o/a cidadão/ã com menos recursos, já que quem pode, por exemplo, pagar um advogado, vai continuar a fazê-lo, ou quem pode levar o seu animal de estimação a um médico veterinário não vai escolher outra opção menos qualificada. Quem não tiver possibilidade, ficará à mercê de ofertas de mercado menos qualificadas, que tentarão fazer a diferença meramente pelo preço dos serviços, e não pela qualidade do mesmo, atenta a manifesta falta de formação e competência para os prestar.
Mas pior, não sabemos da dimensão do impacto destas alterações na nossa sociedade. O que acontece a todos aqueles que investiram e estão a investir, numa educação superior (que em Portugal não é barata) e que será obsoleta, já que o que está em cima da mesa é que qualquer um possa ser aquilo que entender, sem formação adequada para tal?
Este Governo prefere colocar nas mãos dos curiosos, a realização de consultas veterinárias, de consultas jurídicas, de elaboração de contratos, de entregas e cálculo de impostos, de consultas médicas, etc.?
Desregular as profissões por razões economicistas, trará o caos ao exercício das profissões e prejudicará, mais uma vez, os mais desfavorecidos. Este ímpeto economicista não será o melhor para a esmagadora maioria dos/as cidadãos/ãs. Se o mesmo traz algum benefício (que não vislumbramos), será apenas para alguns (muito poucos), e que dele certamente não precisam.
E rechaçamos qualquer acusação de corporativismo, neste assunto. No caso da Advocacia, a sua Ordem existe há quase 100 anos e foi quem sempre esteve ao lado da sociedade portuguesa, em todas as ocasiões, incluindo nos períodos negros da nossa História. Estivemos, estamos e estaremos sempre ao lado do/a cidadão/ã, na defesa dos seus Direitos, Liberdades e Garantias, da segurança jurídica e da verdadeira Justiça (mesmo quando a lei não a consagra).
Enquanto Advogados/as, nunca permitiremos que se legalize a prática de um crime, deixando que qualquer um, em qualquer parte, possa, sem o devido conhecimento e estudo, exercer qualquer profissão e praticar os seus atos próprios.
Em nome de todos/as os/as cidadãos/ãs deste país, não desistiremos desta luta!
Lara Roque Figueiredo / José Pedro Moreira
(Vice-presidentes da Ordem dos Advogados)