“Aceleração regional para o digital – da 1ª à 5ª mudança”
Eis-nos, pois, à entrada do primeiro ano do século XXI. E ainda que tenhamos pela frente um mar de incertezas, pelo menos uma coisa é certa: a nova economia está a substituir a velha economia e o Digital, bem como a Sustentabilidade, são as palavras de ordem para as próximas décadas. Tecnologias como a Inteligência Artificial (IA), o cloud computing(computação em nuvem) e a Realidade Virtual, aliadas à nova geração móvel, vão ser estruturantes para a delineação e desenvolvimento económico do futuro próximo e mais além. A super-digitalização, a aceleração da robotização – nos locais de trabalho, nos serviços e nos produtos – bem como o novo arranque para a indústria 4.0, aliado ao re-skillingdos trabalhadores, já não são meras tendências e predições futuristas, mas antes realidades incontornáveis que estão já a acontecer.
No entanto, o caminho para a recuperação é altamente incerto e, muito provavelmente, desigual a nível mundial. Esta é também a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) cuja presidente, Kristalina Georgieva, sublinhou no início de Fevereiro, durante uma conferência de imprensa, a necessidade de aproveitar esta crise para impulsionar as alterações estruturais para a digitalização e a transição verde, bem como a convergência da Europa, projectando que tal poderia vir a impulsionar o PIB mundial durante 15 anos, em cerca de 0,7% a cada ano, criando milhões de novos empregos.
A transformação digital em Portugal é já uma realidade desde há alguns anos, e embora a sua velocidade esteja longe de ser de cruzeiro, nomeadamente quando comparada com a dos seus parceiros europeus, a verdade é que a Covid-19 e a crise de 2020 vieram separar as águas e dar gás a este “banho maria”.
Nos últimos anos, Portugal tem vindo a ser reconhecido internacionalmente pela sua capacidade de inovar – ohypeem torno da Web Summitveio dar o empurrão final – tornando-nos num país apetecível para abrigar hubstecnológicos de multinacionais. Mas a realidade é que, ano após ano, mantemo-nos na cauda da Europa no que à digitalização diz respeito – isto para não falar nos índices salariais, também eles na vergonhosa liga dos últimos há já várias décadas. Tal como o próprio Ministro da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, fez questão de vincar recentemente, aquando da apresentação do Plano de Ação para a Transição Digital, “Portugal já não vai poder competir internacionalmente com base nos baixos custos e no trabalho esforçado, mas sim na produção de valor, de conhecimento e de exigência maior.” Oxalá que assim seja.
Analisando os últimos dados do Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade (DESI), elaborado pela Comissão Europeia, Portugal aparece-nos como o décimo Estado-membro com piores indicadores (!). O executivo comunitário responsável por analisar métricas como a conectividade, utilização de serviços de internet e a digitalização dos serviços públicos – justifica esta posição pelas diferenças na qualidade da banda larga entre zonas urbanas e rurais, pelos custos elevados dos serviços de telecomunicações, mas também pelo reduzido impacto que as tecnologias de informação ainda têm na economia (cerca de 3% do PIB).
No entanto, segundo a Associação da Economia Digital (ACEPI), o empurrão dado pela covid-19 está já a ter impacto no desenvolvimento das compras online. Em 2019, cerca de metade (51%) dos internautas admitia fazer aquisições no mercado virtual, número que o estudo elaborado pela ACEPI com a IDC, empresa líder mundial na área de market intelligence, prevê vir a aumentar para 57%. Por outro lado, o mesmo estudo revela-nos que a pandemia colocou mais micro e pequenas empresas (uma parte substancial do tecido empresarial português) na internet – a presença digital aumentou assim de 53% para 76%.
Nos próximos anos, prevê-se que as oportunidades e o impacto gerados pelo digital sejam transversais aos mais importantes sectores económicos, embora estes venham a desenvolver-se em diferentes velocidades.
Por exemplo no Turismo – as decisões vão ser tomadas cada vez mais de telemóvel na mão; no Retalho – os consumidores vão desafiar substancialmente as fronteiras entre o online e o offline, abrindo oportunidades para abordagens integradas; na Banca – sector pioneiro na desmaterialização dos serviços, o desafio maior passará pela criação de uma relação cada vez mais próxima com os seus clientes, através de canais digitais; nos Seguros – a transformação de toda a cadeia de valor vai gerar novas oportunidades para a experiência de cliente e para a eficiência interna; na rede de Telecomunicações – assistiremos a investimentos substanciais na infraestrutura do futuro.
Na Administração Pública – a optimização dos sistemas e bases de dados está já em curso, e uma gradual eficiência, velocidade e proximidade entre serviços e cidadãos far-se-á sentir, naquela que se espera vir a ser a “administração ao serviço do futuro e das comunidades com recurso às tecnologias digitais”, nas palavras do Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira. Na Educação – os cânones clássicos serão cada vez mais desafiados, desde logo, com a implementação, já em curso, de um sistema misto, onde aulas presenciais virão a alternar com aulas online.
Já no que respeita a conteúdos, assistiremos uma reestruturação inevitável de currículos, que terão, indelevelmente, de dar resposta ao enorme desafio que vai ser a dotação de novas competências digitais e que, a meu ver, vão muito além da mera literacia digital ou do aprofundamento de ferramentas mais técnicas em áreas-chave, como por ex. a engenharia informática, multimédia ou marketing digital. Importa, antes de mais, trabalhar a mudança de mentalidades (mindset) e a ética de trabalho, quer individualmente, quer em grupo. Esta mudança de mentalidades não deverá resumir-se apenas aos alunos, mas ser extensível a professores e demais estruturas escolares. Na Saúde, far-se-ão apostas na qualidade de vida e em cuidados de saúde mais eficientes, suportados por um fluxo contínuo de informação digital centralizada; por último, no sector dos Transportes e da Mobilidade – a revolução tecnológica da mobilidade será o factor crítico para fazer face à pressão que existe neste momento nas cidades.
Por forma a fazer frente à dimensão da tarefa hérculea que a sociedade enfrenta nos próximos anos, torna-se crítico estabelecer parcerias entre diferentesstakeholdersda sociedade, como o sector público e o tecido empresarial. Este último, nomeadamente, possui o know-howtecnológico e perfis que permitem o desenvolvimento de soluções inovadoras, bem como a transferência de competências, que serão fundamentais neste processo. Estas mais-valias do sector privado, aliadas às infraestruturas de que dispõe o sector público (rede de telecomunicações, centros de investigação nas áreas de TI e demais pólos tecnológicos), fazem desta uma aliança dourada. No entanto, pela distância a que Portugal está hoje do nível de literacia digital em muitas destas áreas, parece pouco provável que se venham a construir as pontes necessárias para ultrapassar esse grande gapde forma atempada e independente, tornando-nos num verdadeiro líder no digital. Para tal, há que, primeiramente, fortalecer-nos a nível nacional, reduzindo assimetrias regionais e estruturando a rede de telecomunicações.
Focando-me no caso concreto da nossa região, o Algarve, com todo o potencial de que dispomos para nos tornarmos num grande Hub Digitalpara a Europa, e a partir dela para o mundo, não temos, no entanto, conseguido descolar da 3ª mudança.
Partindo desta analogia com a de o motor de um carro, considerarei como “mudanças estruturais” – 1ª e 2ª – a existência de uma estrutura educativa (Universidade do Algarve – UAlg) com uma oferta de cursos, mestrados e doutoramentos nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), para dar resposta às necessidades de técnicos especializados. Depois, o surgimento da Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia (CRIA) que muito tem contribuído para a incubação e aceleração de novas empresas e spin-offs “nascidas” nos centros de investigação da Ualg. De referir ainda o aumento, ainda que paulatino, do número de micro, pequenas e médias empresas de IT a operacionalizar na nossa região.
Mais recentemente, acelerámos para uma 3ª fase, no sentido da consolidação de um antigo desígnio, refiro-me ao Pólo Tecnológico da Universidade do Algarve (rebatizado de UAlg Tec Campus), projecto há muito defendido e liderado pelo Prof. João Guerreiro e que começa, finalmente, a ganhar forma e um espaço físico concreto, no Campus da UAlg na Penha.
Este projecto, estrutural para a região, aliado à criação de uma associação privada que reúne dezenas de empresas locais da área de IT (Algarve Evolution), mais o aparecimento de outros tantos instrumentos de incubação e/ou aceleração tecnológica, como é o caso da associação Algarve STP (Systems and Technology Partnership) ou da Algarve Smart Destination Digital Innovation Hub, que é, desde o final do ano passado, um dos quatro Digital Innovation Hubs reconhecidos em Portugal, pode muito bem vir a despoletar a passagem para a 4ª mudança.
Assistimos, pois, à concertação de esforços e troca de know-howentre entidades públicas, a academia e privados, consolidando um Ecossistema Tecnológico que se quer global e capaz de fazer crescer a região, formar e identificar talentos, atrair empresas internacionais, sobretudo investidores estratégicos, e ainda a comunidade nómada digital, mas falta ainda cumprir-nos, como diria o Pessoa.
O influxo de cidadãos estrangeiros que aqui se instalam, o aparecimento de cada vez mais empresas tecnológicas estrangeiras, de países do Norte da Europa, Reino Unido ou França, que escolhem o Algarve para criar sucursais ou novos escritórios, a vontade de regressar de muitos investigadores ou programadores informáticos que encontraram trabalho no estrangeiro e a procura crescente de paragens algarvias paradisíacas para trabalhar sazonalmente, por parte da comunidade Digital Nomad, mostram que há características na nossa região que são muito difíceis de replicar: o clima ameno, a boa comida, a segurança, a cultura amigável ou o nível de inglês, são alguns desses factores.
Numa altura em que empresas de todo o mundo procuram reforçar-se de perfis digitais, o baixo nível do custo de vida e do trabalho em Portugal – ainda que não sejam, de todo, vantagens competitivas que se deva promover no médio prazo – podem certamente favorecer a escolha do nosso país para a fixação deste novo perfil de recursos, e ajudar a acelerar a formação de um ecossistema de talento digital. Mas, não tenhamos dúvidas, de que o aumento salarial terá de fazer-se acompanhar, caso contrário, o desenvolvimento será insustentável.
Estamos, pois, a preparar-nos para a 4ª mudança e, claro, a perfilar-nos para a famosa “bazuka” de fundos comunitários, cuja fatia do digital é, como se sabe, bastante generosa. Mas, pergunto-me, de que nos serve acelerarmos mais ou continuarmos a por-nos em bicos dos pés, se ainda estamos coxos em áreas como a formação de recursos humanos especializados ou até de pessoas que queiram iniciar novas competências nestas áreas e investir numa mudança de rumo profissional? A oferta de cursos de informática é quase nula na nossa região, e os poucos que vão surgindo, a grande maioria por parte de empresas privadas, apresentam mensalidades incomportáveis para a maioria da população. Falta oferta nesta área por parte do sector público (senhores do Instituto de Emprego e Formação Profissional, de que estamos à espera para aumentar o número de cursos profissionais de longa-duração na área de Informática?).
Continuamos com problemas estruturais de habitação, com rendas de casas próximas das dos países mais ricos da Europa, mas totalmente desfasadas dos salários que por cá se praticam. Esta falta de casas no mercado de arrendamento para quem cá vive e para quem vem de fora, como vamos resolvê-la? A continuar a construir fogos habitacionais de forma insustentável ou a ponderar estratégias de rendas acessíveis para estudantes, investigadores e técnicos superiores que para cá se queiram mudar? E, por último, se as ligações não funcionam em pleno entre os vários actores deste ecossistema, de que nos serve se quer sonhar em acelerar?
Quero com isto significar que, por muito potencial que a nossa região possa ter, e apesar das possibilidades de candidaturas a fundos europeus que se perfilam nos próximos anos, se não houver uma estratégia concertada e uma comunicação efectiva entre os vários parceiros regionais – públicos e privados – a propulsão não se dará. Ao contrário da mulher de César, não nos basta parecer, e nisso temos sido bons. Há que sê-lo, efectivamente. Nesse sentido, ainda temos um longo caminho pela frente no que à cooperação entre pares diz respeito. Caso contrário jamais atingiremos a 5ª mudança. No entanto, tendo a ser optimista e acredito que temos tudo para dar certo. Por isso, vamos a isso!
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