Aqui nos temos encontrado, ano após ano, para assinalar uma data que marca as nossas vidas, que sendo passado é sobretudo futuro.
E não o fazemos de forma rotineira. Fazemo-lo sempre com grande empenho, com enorme determinação e com muita confiança e alegria, porque o que plantámos em Abril germinará sempre. Por mais difíceis que sejam as situações que temos de enfrentar. E este ano, como é obvio, tem um significado especial. Estamos a comemorar os cinquenta anos de Abril.
E por isso mesmo demos mais força, mais dinâmica, mais criatividade, mais iniciativa no âmbito do vasto programa que estamos a realizar.
Que mobiliza imensas vontades que vão desde as crianças aos que têm mais idade. Todos irmanados em torno da valorização duma data que mais do que simbólica, traduz os ideais que guiam a nossa ação.
Portugal é e sempre será um País de Abril.
Abril que se cimenta em Maio.
Abril que nasceu na esperança duma vida melhor e dessa esperança se continua a alimentar. Na certeza de que temos muito, mas muito por fazer para cumprir Abril.
Mas temos de o fazer afirmando Abril em que cada ação que realizamos, em cada obra que concretizamos, em cada iniciativa que promovemos, em cada contacto que estabelecemos, em cada problema que resolvemos, em cada aspiração que satisfazemos, em cada luta que travamos.
É a nossa voz coletiva que se ergue num canto ao ouvido.
É o dia em que as praças se levantam.
Utilizando a poesia, dou agora voz a Maria Teresa Horta no seu poema também intitulado 25 de Abril:
Deixo que a palavra
tão incerta
teça
a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça
tomando da flor
o cravo na matriz
teimando que a paixão
a tudo vença
dizendo não àquilo
que não quis.
E dizendo não aquilo que não queríamos, temos de reafirmar mais do que nunca que é importante que a memória em Portugal não esqueça.
Não esqueça que vivemos quarenta e oito anos sobre uma ditadura que protegia uns poucos para prejudicar a imensa maioria.
Uma ditadura que reprimia para abafar a voz do protesto, a voz da reclamação.
Que prendia aqueles que tomavam a iniciativa de dizer não e de incentivar os outros a fazê-lo. Um não que não era abstrato, mas que tinha um conteúdo concreto. Um não ao regime que traduzia a vontade de ter acesso ao Pão, ter direito à Habitação, dispor de serviços de saúde, frequentar a escola, evitar a guerra.
Como referimos no programa das comemorações decidimos assinalar esta efeméride com um vasto programa que celebra ABRIL PRESENTE, LIBERDADE SEMPRE.
São 365 dias para celebrar a liberdade, trazendo aos palcos e aos diversos equipamentos do concelho mais de 60 atividades que exploram o campo artístico da música, da poesia, da escrita, da pintura, do cinema, do teatro, do conto, da fotografia, das artes visuais e performativas, da expressão plástica… do desporto, entre outras áreas.
Abril é tempo de festejar os ideais da Liberdade e Democracia, pilares essenciais da nossa sociedade, sendo que ABRIL PRESENTE, LIBERDADE SEMPRE apresenta uma oferta diversificada e abrangente permitindo a todas as gerações vivenciar os valores de Abril.
Reafirmamos a todos o convite a viver Abril e a participar no vasto programa das Comemorações do 50º Aniversário do 25 de Abril, que decorrerá até 02 de dezembro de 2024.
As profundas transformações que ocorreram em Portugal a partir de Abril de 1974, expressaram a firme vontade do povo português de tomar o seu destino nas suas próprias mãos e de seguir um caminho que criaria outras condições de vida para a imensa maioria do povo, que poria fim a que uns poucos vivessem à custa da maioria, tendo como elementos essenciais a liberdade, a democracia e a paz. A que estão intrinsecamente associados os princípios da igualdade, da justiça social, do desenvolvimento, do progresso e da procura da coesão social e territorial.
Aqui nestas terras que vão da Serra ao Mar, com esta gente generosa e lutadora que aqui vive, trabalha e sonha com um futuro melhor, também demos o nosso contributo para que Abril fosse uma realidade plena.
Vivemos alegrias, mas também tristezas, mas sem nunca desistir do ideal que nos anima. O Poder Local democrático, conquista maior de Abril, deu um grande exemplo em levar a cada canto do nosso território, o esforço de solução dos pequenos e grandes problemas locais.
A melhor forma de quem exerce o poder, defender Abril é cumprir na íntegra a sua missão e responsabilidade. Exercendo as suas
competências sem sacudir a água do capote. Assumindo as suas funções. É isso que fazemos no nosso município de que é exemplo o que dizemos no Relatório de Contas que apresentámos sobre 2023.
O ano de 2023, foi novamente caraterizado por intenso e dinâmico ritmo no desenvolvimento da atividade municipal, abarcando as diferentes áreas de intervenção, no quadro das atribuições e competências próprias do Município de Silves.
Não contestando o princípio da descentralização de competências, assinalamos e reiteramos a discordância com o processo não negociado, em que se transferem encargos sem os adequados recursos, nomeadamente os financeiros, no desrespeito pela autonomia local, provocando:
– o subfinanciamento do Poder Local;
– a violação da universalidade de direitos dos cidadãos no aceso aos serviços públicos;
– e a transferência do ónus do descontentamento da população, do Governo para os municípios.
É por demais evidente que toda a política municipal tem sido subordinada à defesa intransigente do serviço público e dos interesses das populações, preservando uma relação de proximidade com pessoas, empresas e instituições, exercendo o poder autárquico, de forma organizada e planeada, com visão estratégica e sistémica do concelho, priorizando e salvaguardando finanças públicas locais equilibradas.
Mas infelizmente não aconteceu o mesmo com as políticas da responsabilidade dos governos e da administração central, com as consequências seguintes:
– têm adensado as dificuldades a quem vive no interior;
– têm acentuado as desigualdades sociais;
– têm feito prevalecer na mentalidade geral a ideia de que é a corrupção que domina o poder, de que os políticos não são de confiança, abrindo espaço ao crescimento de forças e setores, que escondendo ao que vêm, enganam os mais incautos e no fundo, no fundo, o que pretendem é enterrar Abril.
Não são os ideais de Abril que são responsáveis pelos problemas com que nos confrontamos, mas antes o seu abandono e combate aos valores que emergiram com os cravos que a revolução plantou.
Por isso se impõe repetir o que afirmámos o ano passado:
“Não há projeto mais exaltante, projeto mais generoso e fraterno, projeto mais livre e emancipador, projeto mais próximo das pessoas e dos seus problemas, do que o projeto que tem a sua base nos ideais que Abril nos trouxe”.
– Abril trouxe-nos o salário mínimo nacional que agora importa aumentar para 1.000 euros mensais.
– Trouxe-nos as pensões e reformas que carecem de atualização para valores compatíveis com o aumento do custo de vida.
– Trouxe-nos o Serviço Nacional de Saúde que temos de defender, dotando-o dos meios e recursos necessários para cumprir o seu papel.
– Trouxe-nos avanços enormes na educação que necessitamos agora de melhorar, para garantir o seu acesso a todos, para elevar a sua qualidade, o que passa tal como na saúde pela dignificação e valorização profissional e salarial dos seus trabalhadores.
Abril despertou-nos para a justiça social e por isso não se pode manter uma situação em que grandes grupos económicos auferem milhares de milhões de euros de lucros, enquanto a esmagadora maioria dos trabalhadores têm baixos salários.
Abril trouxe-nos o fim da guerra colonial, a ideia da paz como um bem precioso e também por isso temos que ter outra postura face às guerras que se incrementam a nível internacional, devendo Portugal nos termos da Constituição da República Portuguesa, assumir claramente uma posição que promova a paz e não a guerra e o conflito.
Abril valorizou o conceito de independência e soberania nacional, o que pressupõe que Portugal tem de retomar os comandos das suas principais políticas e não estar sujeito aos ditames de organizações internacionais que estão perfeitamente alinhados com os grandes interesses.
Abril trouxe-nos o Poder Local Democrático, sendo indispensável o seu reforço em meios e recursos, com destaque para o financeiro e na prevalência da sua autonomia, sem estar sujeito a pressões de chantagens.
É o caminho de Abril que nos pode garantir um futuro melhor. Um Abril que baseado nos preceitos e princípios constitucionais temos de aprofundar.
Não apenas na perspetiva do que fizemos há 50 anos, mas atendendo aos tempos atuais, com imaginação, com inovação, com criatividade, mas sempre, sempre com os olhos postos em que trabalha e com o seu trabalho constrói o País.
É nossa responsabilidade apontar para esse caminho. Combatendo os adversários de Abril, não apenas com a palavra, com o esclarecimento, com o debate aberto e frontal sobre os problemas que enfrentamos, mas acima de tudo trabalhando de forma concreta para os resolver.
Avançando em medidas e apoios que promovam a justiça social. E que também olhem para o setor da justiça como um instrumento para o cumprimento da lei, com base na lei fundamental – a Constituição, retirando espaço à impunidade, atuando para eliminar a base material da corrupção, agindo no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Nestes cinquenta anos que comemoramos de Abril, prestamos mais uma vez homenagem aos que lutaram e resistiram, muitos que pagaram com o preço das suas próprias vidas, o seu apego à liberdade e à luta por uma vida melhor.
O nosso reconhecimento a todos. Os que se organizaram e mobilizaram para que se alcançasse a jornada de oito horas. Os que aproveitaram todos os espaços e oportunidades para dar cimento à luta antifascista e para criar as condições que os militares aproveitaram em 25 de Abril e que o povo de imediato confirmou nas ruas.
Temos de reconhecer que temos grandes desafios pela frente, mas temos de dizer que não os tememos. É com esperança e confiança que os encaramos. Sabendo que por trás de cada dificuldade há uma oportunidade. Para cada problema há soluções. E podem continuar a contar connosco nesta luta incessante e contínua da qual nunca desistiremos.
Como diz Sophia de Mello Breyner no seu poema “O nome das coisas”
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Antes de terminar e como mulher que sou, afirmando o direito à igualdade, e a necessidade de se persistir nessa luta e num tempo em que alguns pretendem voltar ao passado do Deus, Pátria e Família, recordo um belo poema de Maria Teresa Horta com o título de “Mulheres do meu país”
Deu-nos Abril
o gesto e a palavra
fala de nós
por dentro da raiz
Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis
E assim
continuamos de mãos dadas
O povo somos:
mulheres do meu país
Termino voltando a citar Ari dos Santos, com a leitura do final do seu poema Fábrica:
Operários das palavras ou do aço
da terra, do minério, do cimento
em cada um de nós há um pedaço
da força que só tem o sofrimento.
Vamos cavá-la com a pá das mãos
provar que em cada um nós somos mil
é tempo de alegria meus irmãos
é tempo de pegarmos por Abril.
Viva o 25 de Abril!
25 de Abril, sempre!
Leia também: A madrugada que eu esperava | O Algarve e o 25 de Abril – 50 Anos | Por Idalécio Soares