Quando me convidaram para ler um poema no Dia da Europa, lembrei-me imediatamente da poesia de Fernando Cabrita, um poeta para quem as questões europeias (como as raízes, a identidade, o propósito, o futuro) são uma temática recorrente, de uma forma mais ou menos explícita, na sua poesia.
Em tempo de pandemia, e porque me pediram uma perspetiva esperançosa, escolhi «Enrique de Borgonha, no leito de morte em Astorga, fala ao pequeno Afonso» (in O Livro da Casa, Gente Singular: Olhão. 2009, pp. 75-78), um poema em forma epistolar, em que o pai de Dom Afonso Henriques (que morreu quando ele era ainda criança) se dirige àquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal, dando-lhe conselhos de governação, conselhos para um país que ainda não existia.
Este país foi fundado numa civilização sempre em movimento, com valores ancestrais, também eles – felizmente, na maioria dos casos – em perpétua mudança, herdeiro das culturas que os que nos precederam para cá trouxeram.
Péricles, estratego grego do séc. V a.C., afirma, sobre a cidade de Atenas (segundo Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, em tradução portuguesa de Rosado Fernandes e Gabriela Granwehr, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010): «proporcionamos muitas formas para o espírito se repousar dos trabalhos do dia-a-dia, com jogos e sacrifícios durante todo o ano, e com edifícios particulares e elegantes; o prazer que vem de os contemplar mantém os sofrimentos à distância» (2.38.1).
Nestes últimos meses, em que todos (ou quase) temos reconhecido que as artes têm sido fundamentais para amenizarem os nossos dias, estas palavras de Péricles vieram-me à memória. Há cerca de dois mil e quinhentos anos, ainda sem se ter dado nome a disciplinas como psicologia, ou a sofrimentos como a depressão, havia a consciência de que se devia valorizar o belo, não só no fim de um dia de trabalho, como em outras ocasiões. E que esse belo ajudaria a ultrapassar muitas dificuldades.
Para além da beleza, há outros aspetos que nos constituem. Fernando Cabrita coloca, nas palavras do pai de D. Afonso I, o realce de valores presentes na construção desta comunidade que é a Europa: «…dá boas leis às terras/ e que tenham todos direito/ assim os grandes como os pequenos» (p.76).
Tucídides, por seu lado, faz Péricles afirmar que a forma de governo da sua cidade-estado se chama «democracia, não só porque é gerida segundo os interesses não de poucos, mas da maioria, e também porque, segundo as leis, no que respeita a disputas individuais, todos os cidadãos são iguais» (2.37.1)
Atenas é apresentada como uma cidade cosmopolita, que compreende os fluxos de mercado, pois se queremos exportar, temos de aceitar, do mesmo modo, as importações: «Também, em virtude da grandeza da nossa cidade, todos os produtos de todo o mundo entram aqui e o resultado é que usufruímos, com o mesmo prazer, de produtos gerados por nós ou por povos de outras terras» (2.38.2).
Um dos grandes valores da União Europa é, precisamente, o de um espaço sem fronteiras, tendo, para isso, sido criado o Espaço Schengen, que inclui países não membros. A mesma visão e grandeza de espírito – e legislativa – pode ser lida em Tucídides, no que se refere aos imigrantes, um assunto tão delicado quanto premente no nosso tempo. Diz Péricles: «Abrimos a nossa cidade a todo o mundo, e não existem, como em Esparta, medidas para manter os estrangeiros fora da cidade» (2.39.1).
Se, nestes meses, vimos a livre circulação de pessoas a ser limitada, a circulação pelas vias eletrónicas intensificou-se e generalizou-se. Há, por isso, cada vez mais, a necessidade de aproximar regras do espaço internético às que existem no mundo físico, nomeadamente no que diz respeito à proteção das pessoas, da sua privacidade e dos seus direitos, incluindo aqui os direitos dos autores.
A pandemia obriga-nos a olhar para tantos valores que já alcançámos e a ponderar sobre quais se conseguirão manter no «depois». Quando lemos, na História, os avanços e os recuos que as civilizações foram tendo, questionamo-nos se não estaremos a passar por um desses momentos de charneira, um desses tempos de mudança profunda, de perdas de uns e de ganhos de outros.
No poema de Fernando Cabrita, Henrique de Borgonha alerta para as irregularidades do destino, ao aconselhar o pequeno Afonso: «Desconfia da derrota e da vitória e não lhes rendas preitos/ nem acredites nelas nem as louves./ Serão sempre as primeiras a atraiçoar-te/ se nelas, em uma ou outra, puseres teus créditos/e intimamente desabares com os desaires/ ou ensoberbeceres com os ganhos.» (p.77).
Péricles, no século V a.C., acredita na democracia e sabe que «por todo o lado, deixámos monumentos que para sempre conservarão a memória dos nossos feitos, bons e maus» (2.41.4).
Hoje, procuramos preservar a memória, através da salvaguarda dos bens imóveis, móveis e imateriais que contêm os vestígios do que fomos e que contam a história do que nos trouxe até aqui; por outro lado, acompanhamos a génese de um presente que se constrói em liberdade, com criatividade, e que só se compreende quando se partilha.
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