Se com Pétalas ou Ossos, publicado recentemente pela Minotauro, é o quinto romance de João Reis. Pode ler-se na sinopse: «Um jovem autor português instala-se numa residência para escritores em Seul para escrever o seu próximo romance. Em vez disso, deambula pela cidade com a namorada, possivelmente grávida, e entrega-se a todo o tipo de fait divers mais ou menos absurdos, não obstante a pressão dos editores.»
Rodrigo ganha uma bolsa de criação literária e está hospedado numa residência de escritores, na capital da Coreia do Sul, território vedado aos demais, especialmente à sua namorada, por se tratar de território sagrado exclusivamente dedicado à escrita, ou por incentivar a total dedicação de Rodrigo ao ofício da escrita. Mas a verdade é que Rodrigo não escreve: «escrever já pouco me dizia e preferia passar o dia deitado na relva a ler e a observar o céu» (p. 73).
Todo o livro gira em torno de um escritor que faz tudo menos escrever, e procrastina ao máximo, sem sentimento de culpa, o acto da escrita – da mesma forma que adia a compra do teste de gravidez quando a namorada lhe anuncia que pode estar grávida. A necessidade de escrever serve-lhe contudo de desculpa para se esquivar a outros compromissos e deveres. Mas Rodrigo nunca escreve uma linha que seja, conforme nos narra na primeira pessoa todas as suas desventuras. Todas as desculpas são válidas, como a secretária não estar virada para norte, com a luz natural a incidir do lado esquerdo, ou o clima sul-coreano, ou a pressão crescente por parte dos editores que o martirizam com chamadas não atendidas e emailssem resposta, enquanto se aproxima perigosamente, dentro de poucos dias, o prazo da entrega do livro que aliás valeu a Rodrigo aquela estada na capital da Coreia do Sul.
Rodrigo é um anti-herói desencantado e imperfeito, ao ponto de pensar em invadir o quarto de uma escritora da residência que está desaparecida com o fito de roubar o seu manuscrito. Antipático, com pavor a relações sociais, e extremamente crítico (ou demasiado honesto) acerca de tudo e todos. Até a namorada parece estar sem paciência para as suas particularidades e critica-o frontalmente.
O ponto forte do romance será certamente a visão desencantada, cínica, de Rodrigo, escritor «publicado», «pouco afamado» e personalidade difícil (p. 53), sobre o meio da escrita, sobre colegas de profissão, editores e outras figuras. Contudo nem todas as divagações críticas de Rodrigo serão injustificadas: «não me respeitavam, nem a mim nem ao meu trabalho, por exemplo, quando me pediam para falar em bibliotecas ou escolas ou anfiteatros municipais, esqueciam-se de me reembolsar as deslocações, eu chegava ao local e ninguém lera os meus livros» (p. 161).
João Reis é tradutor literário, especialista em línguas nórdicas. Os seus anteriores romances estão publicados pela Elsinore: A Noiva do Tradutor; A Avó e a Neve Russa; A Devastação do Silêncio; Quando Servi Gil Vicente.