Caro leitor, impõe-se-me que lhe confesse que estou a fazer um curso intensivo de inteligência artificial, uma vez que a minha já foi tida por démodé. Os resultados que me foram indefetivelmente impostos, na simulação da inteligência humana, acabaram por se traduzir nesta rapsódia, pautada por um conjunto segmentado de novelas tão rocambolescas e paroquiais, que ela não ousou deixar de as abordar, para requinte da sua leitura, assim o desejo e espero.
Devolução de encomendas
Felizmente que já estão consensualizadas entre o governo e as oposições, as devoluções e trocas-baldrocas, já aceites pelos CTT. O Brasil ficará com o coração de D. Pedro IV, embalsamado no formol de Portugal, sabe-se lá porquê e, em troca, vamos receber mais um quinto do ouro do Brasil.
Até que enfim, iremos ter um ‘Alcochete Jamais’, com WiFi gratuito e ilimitado para que possamos estar sempre a par do que se passa nos nossos emails e no nosso mundo
Como compensação adicional, aquele país irmão ficará com a Santa Casa e o jogo da raspadinha, até que a Ramalho os mande a todos para jogos de baralho, ou para a venda de bilhetes de futebol no mercado negro.
Todas as transações deverão ser rigorosamente feitas através do Ministério Púdico, sob os auspícios e escutas de Lucília, após aprovação daquela suprema entidade.
Ato contínuo, mal Marcelo seja condenado por traição à Pátria, gravidade maior que sobre o coitado havia de pesar, sabe-se que virá para o Algarve, onde gozará um exílio dourado na praia dos tomates. Ao que se apurou, não virá sozinho, para poder continuar a fazer as suas catarses de inesperadas e amenas cavaqueiras. Far-se-á acompanhar de alguns vultos da nossa cultura literária, que ousam pensar, problematizar, discutir, abraçar os ditames do logos, até acharem que tem avondo. Sim, porque o seu impetuoso e discreto vício de tagarelar não se conforma com os sepulcrais princípios governamentais de Santa Comba Dão, de que “não discutimos Deus e a virtude. Não discutimos a pátria e a sua história. Não discutimos a autoridade e o seu prestígio. Não discutimos a família e a sua moral. Não discutimos a glória do trabalho e o seu dever.”
Serão, finalmente, galardoados os hercúleos esforços de Galamba, com 1º prémio autárquico da Cidade de Lisboa, pela aplicação de uma soberba plataforma de inteligência artificial ChatADN, na recuperação, para o ministério das infraestruturas, dos computadores roubados.
Metamorfoses político-partidárias
Depois de Zita ter feito um percurso tão fulgurante, desde a dissidência do PCP até à sua eleição pelo PSD, como deputada, em outubro de 2007, em que se destacou pelas posições que tomou contra a legalização do aborto, de que havia sido uma das mais acérrimas defensoras nos tempos de militância comunista, seria impensável prever que alguém viesse a ultrapassá-la. Eis, senão, quando surge uma espécie de modelo de passarela, em torno da qual tudo gravita, que, do Bloco ao ADN, ultrapassou militantemente a fasquia da anterior salta-pocinhas partidária.
Muito compreensível, conquanto há pessoas que, na política, não cabem nos partidos, que apenas os aceitam como trampolins para os seus mais elevados desígnios pessoais. Têm um ego do tamanho do mundo e só lá se encaixam enquanto brilha a sua estrelinha, ou conseguem ver-se do outro lado do espelho de Lacan.
Confesso que tenho um pequeno fraco por elas. Não enxergam os seus limites, e de tudo são capazes, indiferentes aos coletivos que dizem representar.
No seu jeito de enciclopedistas, sabem de tudo e têm opinião sobre tudo que lhes apareça no dourado e eclético cardápio da política. E, sobretudo, sabem ser donas de verdades certas, seguras, nuas e cruas. Olham, sobranceiras, para os seus camaradas, colegas, companheiros, sejam eles rurais ou urbanos, ou lá o que se lhes queira chamar, num tal menosprezo pela sua inteligência, que se colocam em bicos de pés, na primeira fila do teatro das figuras, como figuras teatrais tão incomuns aos simples mortais que, inexplicavelmente, não raro, acabam carregados aos submissos ombros destes.
E porque de figuras públicas é feito o nosso candomblé mediático, não poderia deixar de expressar o meu mais vivo fascínio com o Zé da Betty, cujo sexo não me ocorre caracterizar – isso é lá com ele – ou das impressionantes horas consumidas na ralação mediática televisiva do rapagote com as audiências – isso é lá com elas. Constato apenas, com um sublime regozijo, a singularidade do clique que provou, à saciedade, uma eficácia justicialista invulgar. Tão raro que até me pareceu ter, a mesma, divisado na Betty, com o colo do fémur em tão mau estado, o depósito de um rebate de consciência pelas mulheres anónimas que têm morrido sem que, por elas, a justiça tenha feito alguma coisa em tempo útil.
Futurismo governamental
Finalmente temos um governo que nos faz sonhar com as alturas, no longe e na distância, revelando a nossa personalidade oculta, de emoções reprimidas, libertas de derrapagens financeiras. E era assim que todos deveriam ser, até porque já estamos cansados do absolutismo do presente. Ontem, abracei-me a toda a gente, na rua, não pela vitória do Sporting, mas para celebrar da forma mais efusiva possível, particularmente com os meus netos, as únicas pessoas da família que ainda esperam vir a conhecer os trilhos criativos que alentarão o “Alcochete Jamais”.
Até que enfim, iremos ter um “Alcochete Jamais”, com WiFi gratuito e ilimitado para que possamos estar sempre a par do que se passa nos nossos emails e no nosso mundo. Embora não seja crível que, nessa altura, já saibamos mergulhar nos buracos negros, ou se o campo de aviação terá simuladores da NASA, é do consenso nacional que já albergará uma série de guias turísticos da via láctea.
Fazemos notar que há quem dê malicioso crédito à ideia de que a sua localização terá tido a ver com o sangue, suor e lágrimas da Comissão Técnica Independente. Nada mais incorreto. Ao que sabemos, de fonte acreditada e limpa, dos desígnios da teoria da conspiração, terá sido o visionário Sócrates que foi decisivo, por já lá ter colocado o Freeport Outlet como estrutura de apoio aos passageiros.
Pronto! Agora que já andava divertido, de cachecol na cabeça e lata de cerveja na mão, a domar o meu bigode Dali style e a chamar de bruto ao nosso produto interno, tinha que estragar tudo, trazendo o homem à baila.
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