Uma visão estratégica para a Cultura constitui um elemento essencial para a democracia e para o futuro do País”
Comunicado do Conselho de Ministros de 22 de Abril de 2021
A frase retirada do comunicado do Conselho de Ministros, corresponde há muito ao que pensamos como profissionais da gestão cultural e como cidadãos de um País que possui uma influência cultural no mundo superior à sua demografia e economia.
A cultura, no seu sentido mais elevado, é a capacidade de pensar a realidade de forma autónoma e independente, a partir dos conhecimentos da história da humanidade, das artes e das ciências. É, quanto a nós, função principal da actividade cultural pública informar e formar cidadãos na perspectiva da sua autonomia decisória consciente.
Na UE este debate é sensível, resulta da diversidade cultural e da história europeia de conflitos por hegemonias geopolíticas, linguísticas e religiosas, acresce ainda o actual domínio das indústrias culturais norte-americanas ligadas à promoção de estilos de vida para o consumo. Os valores humanistas continuam uma referência indispensável.
A ideia de “cultura europeia” é equivoca, a diversidade cultural é a sua riqueza.
Portugal necessita definir bases sólidas de uma política cultural que responda à evolução do conhecimento, a necessidades de planeamento, de desenvolvimento cultural educativo e produtivo, que evite emergências casuísticas e promova a regionalização.
Quando há 20 anos a UNESCO propôs a criação de uma Rede Internacional de Observatórios de Políticas Culturais, considerava indispensável a produção pelos países de dados fiáveis e comparáveis, baseados na construção de conceitos comuns, por forma a garantir que as políticas públicas estabelecessem objectivos e programas claros, tendo em vista o desenvolvimento educativo e cultural das populações…
O Observatório das Actividades Culturais, extinto no início da última década, foi uma estrutura de investigação e análise que reunia o Ministério da Cultura, Instituto Nacional de Estatística e o Instituto de Ciências Sociais, produziu importantes trabalhos sobre a realidade cultural portuguesa. Não detectamos a criação de qualquer entidade que substituísse o OAC, proporcionando ao País informação quantitativa e qualitativa.
As Universidades Portuguesas são essenciais no processo de desenvolvimento cultural, são necessárias licenciaturas que formem quadros preparados para a gestão dos recursos culturais, com aprendizagem de metodologias e técnicas de trabalho. Na economia da cultura os trabalhos publicados são escassos, aleatoriamente vão surgindo estudos sectoriais de âmbito académico no contexto de Mestrados e Pós-Graduações.
Lacuna prejudicial aos interesses culturais e laborais é a ausência de uma estrutura socioprofissional nacional representativa das dezenas de milhares de profissionais que em Portugal trabalham em bibliotecas, arquivos, museus, teatros, cinemas, monumentos, centros de ciência, companhias de dança, empresas culturais, festivais, comunicação, logística e outras actividades culturais, … Apesar de várias tentativas organizativas essa estrutura socioprofissional nunca avançou.
Significativo que, quase meio século após o 25 de Abril de 1974, seja da iniciativa do Ministério da Cultura a proposta de criação dos Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, documento disponível para consulta pública na Separata do Boletim de Trabalho e Emprego n.º 9, de 5 de maio de 2021.
Num mundo em transformação é evidente a necessidade e urgência de pensar a cultura portuguesa com solidez política e estratégica, como elemento essencial da democracia.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico