Estamos no mês de Natal, quadra associada à paz entre as pessoas.
Retomo o tema da paz, no âmbito das artes visuais, pela quadra em que nos encontramos e também pela situação em que, infelizmente, o planeta se encontra, com várias guerras em curso, destacando-se a guerra na Ucrânia e, mais recentemente, a guerra na faixa de Gaza.
Esta última quase parece fazer esquecer a primeira, a qual já decorre há quase dois anos. É verdade, o início da invasão da Ucrânia pela Rússia ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2022. No entanto, aquilo que tinha sido surpresa parece estar a perder o impacto e a tornar-se quase rotina.
A Psicologia permite compreender que aquilo que começa por ser surpresa pode tornar-se num fenómeno ao qual nos habituamos, perdendo o impacto inicial em virtude do processo de adaptação cognitivo, emocional e comportamental do sujeito às mudanças que ocorrem na sua vida. Já Darwin referia que a sobrevivência da espécie depende da sua capacidade de adaptação.
Mas, embora o processo de adaptação às novas circunstâncias seja natural e até importante para a vida do sujeito, não nos devemos esquecer e abstrair daquilo que ocorre à nossa volta e da quantidade de vidas destruídas pela guerra.
As artes visuais podem contribuir para evitar esse esquecimento. A história é feita de acontecimentos marcantes, uns bons e outros maus, podendo a arte visual ajudar a manter vivas no presente as memórias do passado, ajudando a construir os caminhos do futuro.
As guerras destacam-se de entre os acontecimentos marcantes na história de qualquer povo, havendo obras de arte que ajudam a compreender o que aconteceu em determinados períodos da história.
Já destaquei os trabalhos de Banksy por diversas vezes. São graffitis que podemos encontrar em ruas, pontes e muros de diversas cidades do mundo, com mensagens visuais que abordam questões da atualidade, sobretudo de crítica política e social, com um forte viés revolucionário e antiguerra. Em 2017, Banksy inaugurou o Hotel Walled-Off, considerado aquele com “pior vista do mundo”, pois situa-se em frente ao muro de Israel na Cisjordânia, que constitui uma das materializações mais emblemáticas do conflito entre israelenses e palestinos. E este muro é a vista que os nove quartos deste hotel possuem. Além disso, a decoração dos quartos alerta para este conflito, havendo, por exemplo, por cima de uma das camas, um graffiti de uma guerra de travesseiros entre um soldado israelense e um manifestante palestino.
Muito recentemente, com o início da guerra entre Israel e o Hamas, têm sido várias as obras produzidas por outros “artistas de rua”. Por exemplo, a dupla feminista Lediesis produziu a obra “Na unidade acreditamos”, colocada em Roma, em que retrata uma imagem de amor e amizade que transcendesse as fações políticas e religiosas.
Destacamos também a obra “Peace, Please”, em que uma rapariga enrolada numa bandeira palestiniana está em frente a uma parede rachada, onde está escrita a palavra “Peace” (“Paz”). Em bicos de pés, acrescenta um “L” e um “S”, transformando a palavra em “Please” (“Por favor”). Esta obra não se encontra colocada em nenhum lugar físico, mas sim na internet, na conta de Instagram do pintor Dido, sendo uma forma de arte digital, que já suscitou grande interesse nas redes sociais. A sua obra de arte visa centrar-se nas experiências das vítimas de guerra e não em quaisquer sentimentos políticos. De acordo com o próprio, “por muito que concorde com a causa palestiniana, este trabalho não deve ser interpretado como um protesto contra Israel, mas sim contra qualquer tipo de guerra e violência”.
Há quem diga que sempre houve violência ou guerras na história da humanidade, pelo poder, pela conquista de espaço, pelo desejo de posse, mas o problema adicional é que os meios usados são cada vez mais mortíferos, atingindo muitos inocentes. Esta é uma questão central quando pensamos o futuro da humanidade. Tal como as questões ambientais, as questões ligadas à paz são fundamentais para podermos pensar na vida no nosso planeta a médio/longo prazo.
PAZ é a palavra que mais vezes aparece nos dias a comemorar ao longo do ano. Assim, temos o Dia Mundial da Paz (1 de janeiro), o Dia Escolar da Não Violência e da Paz (30 de janeiro), o Dia Internacional do Desporto ao Serviço do Desenvolvimento e da Paz (6 de abril), o Dia Internacional dos Soldados da Paz das Nações Unidas (29 de maio), o Dia Internacional da Paz (21 de setembro), o Dia dos Jornalistas Pela Paz (27 de outubro) e o Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento (10 de novembro).
A paz deveria existir sempre, sendo um estado constante, mas infelizmente não é isso que acontece, pois verificam-se muitos conflitos todos os dias, quer entre pessoas, quer entre países, expressando a necessidade de haver períodos que permitam pelo menos atenuar esses conflitos, sendo esbatidas as diferenças, ou o que divide, e acentuadas as semelhanças, ou o que pode aproximar. Neste sentido, o período de Natal ajuda a despertar sentimentos mais positivos em relação aos outros, emergindo com maior frequência situações de perdão, gratidão ou elogio.
Mas considero importante destacar uma outra faceta neste processo que diz respeito à paz consigo próprio, pois só em paz consigo mesmo é que o ser humano consegue estar em paz com os outros. Além disso, a serenidade e tranquilidade que estar em paz consigo mesmo permite pode ser fator de fluxo e inspiração artística.
Esperemos que esta quadra nos inspire para estarmos em paz connosco, com os outros e, já agora, com os animais e com o ambiente.
Feliz Natal e votos de um ano de 2024 em paz e com saúde e alegria!
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