Corria o ano de 1969 e eu fui a França no Sud Express. George Pompidou, Alan Poher e Jacques Duclos, foram os três candidatos mais votados, na eleição presidencial, em França, vencida por Pompidou. A abstenção rondou os 27%. A França era considerada o país mais político da Europa e, quiçá, do Mundo, e elegia sempre à direita. Dizia-se que os franceses tinham o coração à esquerda, mas a carteira à direita. Do alto da minha sapiência dos quinze anos, achei a abstenção alta, muito alta. E daí, até hoje, sempre achei a abstenção alta, em toda a parte, tirando as eleições em Portugal em 1975.
A política, sendo a forma como a cidade se organiza, quem diz cidade diz país, é uma atividade cívica nobre, muito nobre. A mais nobre das atividades cívicas, na minha opinião. É claro que muitas pessoas que me estão a ler sorriem zombeteiras, pensando, “lá está este a brincar”. Mas não estou. Falar de política é falar de poder. Não precisamos de citar Aristóteles e a sua obra seminal. A forma de organizar a sociedade é coisa da política e esta deve interessar a todos. Virarmos costas à política é deixar que medram os oportunistas, carreiristas, corruptos e a escória social, à rédea solta.
Um grupo de cidadãos de Tavira está a tentar criar um movimento político, mas não partidário, para discutir os problemas que digam respeito à cidade ou que, indiretamente, lhe diga respeito
Houve e há uma frase que sempre me irritou e considero das frases mais infelizes que se utilizam. A minha política é o trabalho! Não conheço frase mais medíocre, abjeta e desprezível na sociedade. Esta demissão de participar na vida social é o encanto dos medíocres, reles, vulgares que assim podem cavalgar os incautos que viram costas à coisa pública.
Este desprezo pela política é geral. Se repararem, nos Centros Comerciais entram cães, gatos e outros animais, mas políticos em campanha eleitoral, jamé.
Maria Filomena Mónica, socióloga, escreveu uma visita ao poder (1993) que dá uma visão do vazio da participação na coisa pública.
Sejamos claros: a nossa demissão da participação política é a responsável deste desencanto geral.
A nossa constituição de 1976, com o entusiasmo dos tempos e dando conteúdo aos movimentos sociais, consagrou duas formas de participação que sempre julguei que pudessem vingar, para além dos partidos e sindicatos, como é óbvio: as comissões de trabalhadores e as comissões de moradores. Ambos praticamente desapareceram e os sindicatos têm perdido força, resultante também das relações de trabalho e a transformação do país em prestador de serviços.
Há um desencanto efetivo com a política. Há pessoas de grande valor, na política, mas há uma demissão terrível daqueles que acham que “eles” são uns ladrões.
Foi por esse motivo que um grupo de cidadãos de Tavira está a tentar criar um movimento político, mas não partidário, para discutir os problemas que digam respeito à cidade ou que, indiretamente, lhe diga respeito. Seja a organização urbana, os recursos hídricos, agricultura, pescas, mobilidade, cultura, espaços verdes. Não temos medo dos partidos, antes os reconhecemos com um papel importante na sociedade, mas este movimento não está vinculado a qualquer partido. É um grupo inorgânico, informal, sem chefes. Pretendemos mobilizar a sociedade civil para que, em torno de assuntos importantes, todos possam opinar, confrontar ideias, esclarecer situações.
A participação de todos e cada um é importante, imprescindível, necessária e fundamental. Não nos podemos conformar com a modorra existente. Há que despertar para a importância da nossa vida coletiva, isto é, a política. Portugal não é classificado como uma democracia plena (seja isso o que que for) por causa, entre outras, pela fraca participação das pessoas na coisa pública.
Vamos combater a apatia reinante. Vamos a isso!
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