COVID-19, SARS-CoV-2, novo coronavírus ou apenas um velhinho coronavírus que sofreu uma mutação na China e rapidamente ameaçou acabar com a Humanidade. Seja qual for o termo preferido do leitor, tem sido um tema incontornável nos últimos anos e todos saberão a que me refiro: a pandemia do século. E os que não ouviram falar é porque não vivem neste planeta ou têm estado alheados deste mundo, por razões que não interessam aqui. Seja como for, nunca tanto ouvimos repetir certas expressões que parecem ter surgido só agora, apesar de não serem novas: o isolamento social, confinamento, quarentena e outros.
Segundo o Serviço Nacional de Saúde, o isolamento social consiste na ausência ou dificuldade de contacto social ou familiar, de envolvimento na comunidade ou com o mundo exterior, e no acesso a serviços. Existem alguns factores psicológicos e sociais que agravam o risco de isolamento social tais como a doença mental grave, a doença crónica, a mobilidade reduzida, a dependência de substâncias psicoactivas, entre outrosi. Embora alguns destes factores possam parecer comuns à solidão, ou consequentes desta, não convém confundir os dois conceitos. Um indivíduo saudável que viva harmoniosamente em família sem impedimento no acesso a qualquer serviço pode, ainda assim, sofrer de solidão. O isolamento social pode, também, levar à solidão.
Uma preocupação que surgiu na sequência dos confinamentos e da miríade de outras medidas restritivas da liberdade decretados pelo Governo, foi precisamente a do impacto que o isolamento poderia ter na sociedade. De repente as pessoas deixaram de poder beijar-se, abraçar-se, cumprimentar-se, de estar perto de outras pessoas. Fazer a vida normal, socializar, no fundo, deixou de ser possível na forma que era habitual. Surge a nova normalidade do uso da máscara, a moda do online, o medo do inimigo desconhecido invisível, a histeria da higienização… Tudo isto terá algum tipo de consequência e será alvo de uma preocupação legítima, especialmente nas franjas mais vulneráveis da sociedade como os idosos a viver em lares e doentes em hospitais que se vêm privados, ou com acesso muito limitado e regrado, das visitas dos seus familiares, só para dar dois exemplos.
A saúde mental sai claramente afectada, especialmente em pessoas que já sofriam de algum tipo de instabilidade psíquica ou mental. Numa análise preliminar de um estudo liderado por Sandra Freitas, do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção CognitivoComportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbraii , «o confinamento obrigatório favoreceu significativamente o desenvolvimento de maiores níveis de sintomatologia depressiva e, consequentemente, pior qualidade de vida nos portugueses». A insegurança, o medo, quadros de ansiedade e depressão, a capacidade funcional e até do estado cognitivo, são algumas das consequências do isolamento social. Um outro estudo, do Instituto de Tecnologia da Califórniaiii , que utilizou moscas-da-fruta e ratinhos, sugere que o isolamento prolongado – duas semanas, no caso destes últimos – provoca a produção de um químico associado a alterações no cérebro que levam a um aumento do medo e da agressividade. Uma investigadora desta equipa lança uma inquietação que tende a agravar-se: com o aumento do tempo que passamos online e nas redes sociais, e a consequente diminuição do tempo de interacção social físico, estamos muito mais sós do que nunca. Isto pode ter consequências, ainda desconhecidas, no nosso cérebro.
Demarcando-me agora do aspecto mais científico da coisa, deixo também uma outra premissa para reflexão. Assistimos, por todo o globo, no preâmbulo da terrível pandemia da covid, a imensas e sentidas manifestações de apoio e gratidão a vários profissionais-chave no combate à enfermidade. Do «tudo acabará bem» ilustrado com um arco-íris estampado em tudo quanto era varandas e vídeos virais, passando por ondas de cânticos e aplausos dirigidos aos profissionais de saúde, e a saúde do planeta parecia ser finalmente merecedora de uma acção política verdadeiramente urgente! Mensagens de esperança multiplicavam-se por todos os meios de comunicação audiovisuais e impressos, nas conversas de café. Adivinhava-se o desenvolvimento de sociedades globais mais empáticas e solidárias como forma a superar toda e qualquer adversidade colectiva. Tudo parecia confluir na promessa de que a Humanidade se tornaria, enfim, mais humana.
No entanto, agora, no rescaldo da pandemia, percebe-se que as pessoas não estão mais próximas nem mais solidárias (mais solitárias sim, talvez), não estão menos egoístas nem menos individualistas. A grandiosa, bem-intencionada e derradeira intenção de grande elevação civilizacional esvaiu-se. Não se avista nenhum arco-íris no horizonte depois desta tempestade. Voltámos ao mesmo, ou pior. Não passou disso mesmo, infelizmente: uma promessa vã.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
i https://www.sns24.gov.pt/guia/a-solidao-e-o-isolamento-social/
ii https://noticias.uc.pt/artigos/covid-19-estudo-avalia-o-impacto-do-isolamento-social-no-bem-estar-fisico-e-psicologico-deadultos-e-idosos
iii https://www.publico.pt/2018/05/21/ciencia/noticia/o-que-e-que-o-isolamento-social-faz-ao-cerebro-1830597
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia