Viver num Mundo Imprevisível, de Frédéric Lenoir, foi recentemente publicado pela Quetzal, com tradução de Sandra Silva. Frédéric Lenoir é o autor de O Milagre Espinosa – Uma filosofia para iluminar a nossa vida, bestseller que vendeu mais de 300 mil exemplares em França, e narra a vida e obra de Baruch de Espinosa de um jeito claro e envolvente, revivificando e transpondo para o nosso tempo o pensamento deste pensador, falecido em 1677.
Viver num Mundo Imprevisível é um pequeno guia, em formato de livro de bolso, que nos exorta a inspirar profundamente e fazer uma pausa nos dias, conforme nos conduz em dez passos a reflectir sobre estes últimos meses e procurar na nossa vivência desta pandemia uma lição, de modo a «nos mantermos serenos quando vivemos num mundo cada vez mais caótico e imprevisível» (p. 68).
Este manual de sobrevivência procura um sentido possível para a crise da Covid-19, catalisadora de «um stress agudo», do medo da doença e da morte (com que fomos confrontados de forma inédita), do luto, da angústia da incerteza face ao devir, da recessão e da falência económica, das restrições à nossa liberdade. Há também uma visão crítica por parte do autor de como a crise foi gerida a nível dos governos, acusando, por exemplo, o confinamento como uma medida simplista e económica por parte dos governos para fazer face à doença que terá reproduzido ou até amplificado as desigualdades sociais, especialmente quando «foi sinónimo de clausura em espaços exíguos» (p. 97). Em contrapartida, a covid-19 também demonstrou como, ao contrário do que acontecia há umas décadas com outras epidemias, cuidar de todos, especialmente dos mais velhos e frágeis, se tornou uma prioridade a todo o custo.
A pandemia é aqui encarada como um momento de oportunidade, em que pessoas e sociedades aproveitaram para redefinir a vida; um momento definidor nas nossas vidas, com o impacto de uma doença ou uma perda, que nos permite reorientar e rever a nossa escala de valores. Lenoir incentiva-nos a fazer o luto, alicerçando-nos nos aspectos da vida que melhor nos definem, qualidades preciosas que ajudam cada um de nós «após um choque ou uma profunda desestabilização como a que acabámos de viver, a reconstruir-se, a um trabalho sobre si mesmo, a desenvolver a resiliência» (p. 26).
O autor, partindo da sua vivência da pandemia em França, e com base na sua filiação filosófica, com ligeiras incursões na neurociência e na psicologia, procura falar de forma clara e intimista aos leitores. Existem referências a outros pensadores, mas o autor, sem cair no lugar comum, transmite a sua própria experiência, com ecos daqueles que lhe são mais próximos – como a mãe que viveu meses fechada num quarto num lar onde apenas via a pessoa que lhe deixava as refeições. É curioso notar que o autor não evita colocar a tónica na espiritualidade, que representa aliás um papel central na sua vida e obra.
Frédéric Lenoir nasceu em Madagáscar (1962); sociólogo e professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris; director da revista Le Monde des Religions; autor de vários estudos sobre história e sociologia das religiões, ensaios sobre filosofia (onde aborda a felicidade, o ambiente e a espiritualidade), romances e peças de teatro.