Os Beijos, de Manuel Vilas, com tradução de Miguel Filipe Mochila, é o terceiro e mais recente romance do autor, publicado entre nós pela Alfaguara.
Decorre o mês de Março de 2020. Salvador, um professor reformado, com perto de 60 anos, é acometido por mutismo, ansiedade e amnésia. Cumprindo ordens médicas, abandona Madrid e instala-se sozinho numa casa na floresta, nas proximidades de uma pequena povoação. Aí conhece Montserrat, quinze anos mais nova, por quem rapidamente se enamora.
«Nos primeiros beijos entre dois seres humanos a duração é o enigma, nessa duração respira a morte. Nada dura para sempre. Nem mesmo os beijos.» (p. 118)
Mais do que um romance, este livro assume-se como um ato confessional e reflexivo, uma apologia da beleza, da vida e do amor, numa prosa intimista e lírica, que nos dá conta de um mundo em mudança, com o deflagrar da pandemia e o início de um confinamento generalizado. Note-se, aliás, que Montserrat é a única pessoa com quem Salvador efetivamente se encontra e relaciona no livro, depois de uma ida às compras… A confiança que se gera entre ambos e que escala para uma relação íntima significa, além de uma apologia do amor numa idade improvável, um ato contestatário face ao sistema que decreta o perigo do contacto e do toque humano. Da mesma forma que, para se sentir vivo e desafiar o poder, que teima em sonegar o erotismo à sua personalidade política, Salvador começa a ir ao supermercado para roubar pequenos itens. Talvez influenciado pelo seu principal companheiro de cabeceira, Dom Quixote, livro sobre o qual nos oferece uma divertida reflexão, enquanto estabelece subtis analogias entre si e o «cinquentão Dom Quixote». A tudo isto, acrescem ainda as memórias de um passado que teima em reaparecer, conforme recorda uma amizade com um colega da universidade, que o despertou para um outro plano da consciência. Mas esse era também o ano de 1981, quando Espanha conhece um golpe de estado…
Manuel Vilas é um dos mais eminentes escritores espanhóis. Estreou-se em Portugal na Alfaguara, com o romance Em tudo havia beleza (2018), que conquistou a crítica e milhares de leitores em vários países, e foi distinguido com o Prix Femina Étranger em França. Seguiu-se E, de repente, a alegria (2019), finalista do Prémio Planeta e do Prémio Jean Monnet de Literatura Europeia. O autor foi distinguido com vários prémios de poesia, escreve contos e crónicas, e colabora habitualmente com a imprensa espanhola.