O lançamento de Beco das Almas Perdidas, de William Lindsay Gresham, publicado pela Dom Quixote, com tradução de Francisco Silva Pereira, coincide com a estreia do filme de Guillermo del Toro nas salas de cinema portuguesas e nalguns canais de streaming, como HBO Max e Hulu.
O livro inicia com a impressionante descrição de um tragabichos. Das várias atrações desta feira de província – entre a vidente Zeena, Joe Plasky, que caminha apoiado nas mãos, ou Molly, a lindíssima jovem capaz de ser atravessada por quinze mil volts de energia –, o tragabichos é uma criatura semi-humana que se alimenta de serpentes e galinhas. Alcoólico e abjeto, é o alvo do deleitado nojo e escárnio da multidão.
Stan Carlisle é um jovem recém-chegado, cujo passado desconhecemos, à feira, onde começa a trabalhar onde e como pode. Rapidamente ascende como mentalista, fazendo de Molly a sua bonita assistente (e atormentada mulher), mas cedo compreende que não há limites para a sua ambição, e o desejo imparável de dar um golpe milionário: «Nada importa neste maldito asilo de doidos senão o dinheiro.» (p. 221) Como a credulidade das pessoas também não conhece limites, desejosas de um assomo de esperança, de fé, de conforto, Stan torna-se então num reverendo espiritista, capaz de colocar os mais ricos e ingénuos em contacto com os seus entes queridos.
Constituído por 22 capítulos, a cada um corresponde uma das 22 cartas do Tarot, este livro é uma descida às profundezas e infernos da psique humana, formando um círculo perfeito de ruína e queda.
«Numa nesga de prata, o reverendo Carlisle parou e ergueu o rosto para a lua cheia, ali suspensa desoladamente, com um brilho agonizante – uma coisa morta que observava a Terra moribunda.» (p. 201)
Obra inédita em Portugal, Beco das Almas Perdidas é um dos grandes clássicos do noir americano da década de 1940, obra-prima comparável a romances como As Vinhas da Ira, de Steinbeck, pela sua capacidade de traduzir as sombras da Grande Depressão.