Quando me pediram para escrever um artigo sobre a minha experiência no leste (Polónia e Ucrânia), confesso que não sabia bem o que dizer, estou tão habituado a falar com imagens que o texto assusta-me. Por isso, em vez de uma crónica, contarei uma história sobre um evento isolado, que representa tudo o que lá vivi. Sinto que uma história é mais fácil de ler do que uma crónica secante, em que dou a minha opinião (que pouco interessa), sobre um tema que cada vez interessa pouco à media europeia.
Trago-lhe, leitor, uma história de muitas, passada numa missão de transporte de refugiados (também ela uma de muitas), mas esta em específico passou-se numa ocasião que só uma vez vivemos: O baile de finalistas. Esta é (na sua essência) a história de como passei o meu baile de finalistas, a 3670km de casa.
Eram 22:00h em Faro, 23:00h em Medyka (fronteira polaca com a Ucrânia) e, como muitas noites, estava com os meus companheiros a fazer “vai-vens” de carrinha, a ir buscar refugiados a fronteira e a deixá-los no TESCO (centro de refugiados de Przemśyl) para que possam realizar o processo de transferência para um país europeu, quando fomos buscar uma família com uma idosa, uma criança e o resto com os seus trintas/quarentas. Todos eles tinham fome, frio, sede, traumatizadas e com medo, só queriam descansar. O rapaz (irei chamar-lhe de Mykos, nome fictício) estava a falar do seu trabalho, da sua casa, dos seus amigos, da sua vida, da sua felicidade, mesmo quando naquele momento não tinha nada do que estava a relembrar, nem tinha a consciência de que tinha perdido tudo, mas estava feliz, algo que disse que valia tudo. Como tudo o que lá vivi, a felicidade pouco tempo durou.
Estávamos a sair de Medyka quando a senhora mais velha (num estado extremo de pânico, ansiedade, medo, desespero, choro) saltou da carrinha a dizer que queria voltar para casa, não queria viver sem nada, sem a sua casa, sem o seu marido, sem a sua vida.
Naquele momento não havia muito que eu pudesse fazer, ela saiu para a rua com o que entrou para dentro da carrinha: Nada, apenas a roupa que tinha vestida e as lágrimas que ocupavam toda a sua cara. Nestas situações é muito fácil culpar-nos (voluntários) por não termos a termos impedido de sair, mas só uma coisa é certa nesta vida, não podemos salvar todos.
Na viagem de volta fomos calados, todos estávamos com a imagem da senhora a chorar e gritar para o céu, a falar com o seu Deus e para o seu marido falecido: “Eu quero voltar para casa”.
Chegando agora ao tema da história, uma videochamada rompeu o silêncio como uma faca afiada rasga uma folha: O meu baile de finalistas. O Rui, Rafa, Tiago, Pedro e o Sousa. A minha família de outra mãe que, sem se aperceberem, afastaram o pensamento de culpa que falei, trouxeram-me ao baile de finalistas, 3670km de casa.
Foi uma chamada de cinco minutos onde conseguimos trazer risos para dentro da carrinha, o Mykos, que estava ao meu lado lembrou-se do seu baile, conseguimos dar-lhe algo real naquele momento: Memórias.
Com esta história quero deixar-lhe algo, leitor que quer fazer voluntariado: Quando estiver no local, e estiver a pensar em desistir (acredite que vai ter esse pensamento), foque-se que mesmo quando não tiver nada, há algo que terá sempre, as suas Memórias.
Artigo da autoria de Glantosz, João Melo,
18 anos, artista, sobretudo fotógrafo, de Faro
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