“Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor”
– Sophia –
Subindo à varanda da janela gradeada do Convento da Conceição, Mariana descansava o olhar no horizonte das searas ondulantes da planura alentejana. Aguardava ansiosa e com frémitos de emoção, a passagem do cavaleiro que a tinha feito cativa de ardentes e arrebatadores amores furtivos.
Aos 26 anos, a freira de Beja descobrira que, afinal, o mundo pode despertar outros encantos, e ir além da meditação contemplativa e da renúncia aos prazeres da vida!
Foi dali, da janela de Mértola, que os dois se conheceram, e a história dava um filme! É um romance proibido, de amor e pecado. Ou, como escreveu Stendhal – “o modelo acabado de um amor paixão”, que derrubou muros e preconceitos e abanou a disciplina rígida de um convento e os ferros da sua clausura.
Ela, uma jovem que desde menina a fizeram recolher,como mandavam os preceitos da época, aos aposentos do convento, e ele, um jovem oficial do exército francês que ali estava para ajudar Portugal na guerra da Restauração contra os espanhóis.
Pouco se sabe da vida da freira alentejana, e não fosse a indiscrição das cartas de amor que lhe são atribuídas, enviadas ao Monsieur Le Chevalier de Chamilly, por quem haveria de se perder de amores, nada a história teria registado, a não ser a vida apagada de uma freira dentro dos altos muros e na escuridão de uma cela do convento. Entregue à oração e à penitência!
As Cartas Portuguesas, como ficaram conhecidas, foram publicadas em Paris em 1669, num livrinho que contribuiu mais para o mito do amor português do que as cantigas de amigo ou a lírica de Camões. Nelas, Mariana Alcoforado, expõe sem limites o seu amor pelo cavaleiro francês e o desespero pelo abandono, desprezo e esquecimento a que acabou por ser votada.
Com mais de 500 edições em vários países do mundo, as Cartas, constituíram um dos maiores sucessos editoriais à época e, nelas, Mariana, na sua clausura, conseguira fazer ouvir bem alto “a magnífica música de um corpo exasperado de desejo e abandono”.
Várias vezes se tem contestado que as Cartas Portuguesas sejam da autoria da freira de Beja, mas – diz o grande poeta alemão Rainer Maria Rilke – “o que não poderá nunca contestar-se é que não seja uma das obras supremas da literatura amorosa.”
Numa das suas Cartas, apesar de já não esconder a desilusão e o desencanto para com o seu amante, Mariana não se mostra arrependida: “Quero que toda a gente o saiba, não faço disso nenhum segredo, estou encantada por ter feito tudo quanto fiz por ti; a minha honra e a minha religião hão-de consistir só em amar-te perdidamente toda a vida”.
Noutro ponto, sublinha ainda: ”Orgulho-me de te haver posto em estado de já não teres, sem mim, senão prazeres imperfeitos!” e, num assomo de lúcida paixão resignada admite: “Acostumei-me, ingenuamente, a uma grande paixão, e é necessário algum artifício para nos fazermos amar. Devem procurar-se habilmente os meios de agradar: o amor por si só não suscita amor”.
Apesar de tão arrebatadora paixão, Mariana Alcoforado, não morreu de amor. Envelheceu e morreu, aos 83 anos, no convento, e nunca mais soube do seu cavaleiro andante, que tantas vezes pulou a cerca para se aninhar nos sonhos quentes de uma solidão abandonada.
Mariana, não se tornou santa. Porque, afinal, não se pode servir a dois senhores!
RELACIONADO:
BELICHE: um forte à beira do abismo e da derrocada – Bilhete Postal por Ramiro Santos
Castro Marim: em redor tudo, como se ali fosse o centro da terra! – Bilhete Postal por Ramiro Santos
Silves: uma varanda perfumada com flores de laranjeira – Bilhete Postal por Ramiro Santos
Sagres: um livro de pedra e de história – Bilhete Postal por Ramiro Santos