Para chegar ao ponto de origem, há necessidade de percorrer em Lisboa, ainda de bicicleta, a Avenida Infante Dom Henrique – o que, a certo momento, se faz com profunda tristeza. Inimaginavelmente, numa determinada parte daquela avenida, sou confrontado com um inesperado “parque de campismo” em contexto urbano. Tendas envelhecidas – algumas parcialmente destruídas –, móveis, colchões, salas de estar/jantar improvisadas, objetos pessoais, tudo protegido por um teto, que não é mais do que o betão das pontes, o qual parece escudar da chuva todo aquele cenário macabro. Percebe-se que aquele “urbano-campismo” lamentavelmente não é mais do que a residência principal de inúmeras pessoas que, aparentemente, não têm outra alternativa, numa difícil realidade de pobreza e exclusão. Será que o Presidente da República costuma passar naquela zona?! Coloca-se esta questão apenas porque, como todos sabemos, Marcelo Rebelo de Sousa declarou apoio ao Governo na tarefa comumde acabar com as situações de sem-abrigo até 2023. Enfim, esperemos por 2023 para saber…
Já na estação CP Oriente procuro a linha 7, na qual estará a composição Intercidades da CP, cuja carruagem número 23 permite o transporte de bicicletas (duas), o que é de elogiar. Ao entrar percebe-se que o tempo – entenda-se igualmente investimento – também parou para o Intercidades. As carruagens que foram um sucesso no século passado, ainda continuam, hoje, no ativo – até o tom verde característico se mantem. Mas, assim como acontece com os sem-abrigo, também há esperança para o Intercidades. O Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, referiu recentemente que está em marcha um investimento o qual tem como objetivo substituir material obsoleto, em alguns casos com 70 anos, por forma a dar resposta às necessidades da população.Sim – 70 anos!!! Apenas não sabemos é quanto tempo vai durar essa marcha. Enfim, esperemos… Talvez seja aquilo que mais fazemos – esperar…
Considerações à parte sobre a modernidade do transporte, sou um dos primeiros a sentar-me na carruagem. Ocupando o lugar 12, assisti lentamente à entrada de outros passageiros, cujo número não parava de aumentar. A determinada altura, percebi que algumas pessoas sentadas lado a lado (cotovelo com cotovelo) não se conheciam. Antes de cruzar o rio Tejo há uma paragem em Entrecampos e outra em Sete Rios. A carruagem 23 atravessa o rio Tejo, com apenas 15 lugares livres. O lugar ao lado do meu, surpreendentemente, ainda era um deles. Teria agora de esperar, com alguma ansiedade, até ao final da viagem, para verificar se assim se iria manter. Se estivesse a escrever estas linhas, por exemplo, no verão de 2019, nada teriam de especial. Acontece que este episódio ocorreu na primeira quinzena de agosto de 2021, em pleno quadro de pandemia de COVID-19.
Se o elevado número de pessoas num reduzido espaço, totalmente fechado, sentadas lado a lado, durante mais de três horas, só por si já é motivo de enorme preocupação no atual contexto sanitário, acresce que a obrigatoriedade do uso de máscara – informação referida no início da viagem – não passou de retórica elegante. Na verdade, existiam tantas máscaras quanto o número de ocupantes, o que se valoriza. Porém, esse foi o momento mais alto dessa relação. A estratégia de comer batatas fritas parece que era do conhecimento de inúmeros passageiros, como forma de viajar sem a máscara por um longo período de tempo. Outros atribuíam tratamento desigual à boca e ao nariz, deixando este último disfrutar, sem obstrução, dos odores naturais. Alguns (poucos), conseguiram a proeza de realizar a viagem quase toda sem a máscara colocada. Perante este cenário, o qual coloca em causa o cumprimento das medidas recomendadas no âmbito da pandemia de COVID-19, sentimos necessidade de colocar a seguinte questão: SARS-CoV-2, viajaste no Intercidades da CP? Esperemos para saber…
Finda a viagem, restava-me agora chegar a casa e desfrutar do presente. Como disse Lúcio Aneu Séneca (4 a.C. – 65 d.C.), filósofo estóico do Império Romano:dedica-se a esperar o futuro apenas quem não sabe viver o presente.