Embora Eu Seja Um Velho Errante, de Mário Cláudio, autor publicado pela Dom Quixote, apresenta-se como uma continuação possível de Tiago Veiga: Uma Biografia. Publicado em 2011, depois de cinco anos de gestação, esse «cartapácio de setecentas e noventa e três páginas» (p. 164), contendo ilustrações a cores e inúmeras notas, provocou alguma agitação; ainda que se impusesse como biografia ou registo cronístico de quase um século, e não obstante o cuidado do autor em torno desta persona, houve quem tomasse o livro por uma autobiografia alternativa de uma personagem cuidadosamente pensada ou mesmo um alter ego.
Embora Eu Seja Um Velho Errante, lançado em Junho deste ano, surge no seguimento dessa biografia exaustiva, que vai de 1900 a 1988, datas do nascimento e morte desse pretenso génio desconhecido, e que procurava tirar definitivamente Tiago Veiga do anonimato, esse poeta contemporâneo da geração de Pessoa, Almada e Pascoaes e bisneto (ilegítimo) de Camilo Castelo Branco. Já depois da publicação de Tiago Veiga: Uma Biografia, descobriram-se documentos que vieram trazer nova luz sobre a figura do poeta, designadamente um diário de Ellen Rassmunsen, a sua mulher. Ainda que estes achados pelo autor motivem a escrita do presente livro, que «sela e conclui o relato da sua relação com Veiga» (como se pode ler na sinopse), diz-nos o prefácio (assinado por José Vieira) que ainda estão por publicar «inúmeros escritos, resguardados de olhares curiosos em diversos espólios e arquivos» (p. 9).
O presente volume constitui-se como um tríptico polifónico. As três vozes distintas que aqui confluem, e se escrevem na primeira pessoa, apresentam-se como uma conversa íntima consigo mesmas.
Na primeira parte, podemos ler o pensamento do próprio Veiga «em jeito de monólogo interior» (p. 11), que se retirou para a sua morada no Norte, na Casa dos Anjos.
A segunda parte é constituída pelo diário de Ellen Rassmunsen, pintora irlandesa mulher de Veiga, que nos relata a sua angústia, abandonada pelo marido devido à sua tuberculose, na sua passagem por dois sanatórios, de onde nos escreve estas páginas pungentes, entre 1943 e 1944, pouco antes da sua morte.
A terceira parte, onde ressoa por três vezes a frase «Embora Eu Seja Um Velho Errante», que dá título ao presente livro, denota um registo autobiográfico em que o autor nos relata «a arqueologia da escrita» de Tiago Veiga (p. 13) mas também o processo de reconstrução da Casa da Ramada.
Neste jogo de reversibilidade demarca-se a importância da casa, como lar, como escrita de uma vida, como refúgio, espaço que ganha vida, ela mesma cheia de fantasmas, assim como toda a paisagem do Norte em que a casa se inscreve, evocatória do universo celta e das brumas da Bretanha.