“Está desse lado do verão
onde manhã cedo passam barcos,
cercada pela cal.
Das dunas desertas tem a perfeição,
dos pombos o rumor,
da luz a difícil transparência
e o rigor”.
Eugénio de Andrade
As aldeias de Cacela Velha, Santa Rita e o interior da freguesia de Cacela, foram e ainda são santuários do património natural e cultural do Algarve, com paisagens deslumbrantes.
O túmulo megalítico a cerca de um quilómetro da aldeia de Santa Rita, representa um dos testemunhos da Pré-História melhor conservados na região sul, datado de cerca de 5 mil anos.
Cacela Velha e o seu entorno integram o ecossistema da Ria Formosa, valioso pela variedade de espécies de fauna e flora, com um passado muçulmano ligado às actividades agro-marítimas, um porto natural com ligações ao Mediterrâneo.
A aldeia de Santa Rita é (foi?) conhecida pelas «curas de Santa Rita», para lá peregrinavam em Maio centenas de pessoas, dirigiam-se à fonte, o local onde segundo a lenda a imagem da Santa terá aparecido. Era uma zona de fornos de cal e de pão, de alfarrobeiras, figueiras, amendoeiras, para além das espécies endógenas que habitam as ribeiras e a ria, e dão sabores à cozinha.
Agricultores, pastores, vendedores ambulantes e de lenhas, artesãos de utensílios domésticos e costureiras, vivem hoje de reformas, mas continuam a manter a horta e as árvores, colhendo os legumes, figos, alfarrobas e azeitonas, para a família.
Vivências ricas de conhecimentos práticos que serão necessários nos tempos que se avizinham.
O aparecimento em 2005 do Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela – CIIP instalado na escola primária de Santa Rita augurava resultados, trazia confiança num trabalho de preservação ambiental e patrimonial de médio e longo prazo. Consciente e correcta foi a iniciativa do Município de Vila Real de Santo António, que da investigação arqueológica criou a oportunidade de, com a comunidade, desenvolver um projecto de preservação dos valores sociais. Emergiu também uma jovem equipa com conhecimentos, criatividade, capacidade de trabalho e invulgar dedicação à causa do património colectivo.
As expectativas dos que acompanham de perto a vida cultural do Algarve não foram defraudadas. Quem analise com atenção o trabalho realizado pelo CIIP Cacela, sobretudo no âmbito da educação patrimonial, não terá dúvidas, é exemplar.
Ao longo do ano decorrem actividades culturais, exposições, percursos de interpretação do património natural e cultural, os “Passos Contados”, oficinas, … No Verão as «Noites d’Encanto», «Noites da Moura Encantada» em Cacela remetem para heranças do al-Andalus e a identidade do local. Na aldeia nasceu, no século X, o poeta Ibn Darraj al-Qastalli, presente na toponímia.
Sustentabilidade, criatividade e solidariedade orientam os mercadinhos da Primavera, Verão, Outono e Natal, estimulando artesanato tradicional e novas criações, há neles produtos locais e em segunda mão, velharias, animação de rua, a iniciativa conta com a colaboração da ADRIP.
Em 2017, o CIIP Cacela e a população de Santa Rita recuperaram a tradição dos Maios na aldeia, também o «Pão por Deus» no período de finados. Em Dezembro arma-se o presépio, o «altarinho» algarvio com as searinhas, laranjas e outros frutos, votos de pão e de prosperidade.
O projecto «À descoberta das 4 cidades», desenvolve-se com as escolas e os Municípios do Fundão, Marinha Grande, Montemor-o-Novo e Vila Real de Santo António. Para além de edições de livros e do “Tomilho”, não pode ser esquecido o esforço e valia pedagógica do ”Jardim Representativo da Flora Algarvia” iniciativa da moradora de Cacela, Teresa Patrício.
Ordenamento e gestão do território com sobreposição de objectivos parcelares e contraditórios, originou um modelo de “desenvolvimento” regional na dependência da monocultura do turismo e do imobiliário, à qual se somou a agricultura intensiva de frutos tropicais feita em zonas de alto valor ambiental e paisagístico. Nestas condições será possível preservar e valorizar patrimónios com muitos séculos, como recomendam a UNESCO e as convenções internacionais?
O CIIP Cacela tem cumprido, merece reconhecimento do Algarve e do País como exemplo de trabalho competente e consistente, feito com escassos meios e com excelentes resultados.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico