Completam-se dez anos que, em Janeiro de 2011, após uma reunião no Ministério da Agricultura, se iniciou a preparação da candidatura da dieta mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, processo que envolveu Portugal e mais seis países de cultura mediterrânica com as respectivas comunidades representativas, entre as quais Tavira escolhida por Portugal.
A candidatura foi aprovada em Baku a 4 de Dezembro de 2013, por unanimidade e sem recomendações. Após esse momento de satisfação, havia a consciência que era o início de um trabalho conjunto para várias gerações.
Foram dez anos de trabalho intenso, de consciencialização e acções a níveis, internacional, nacional e local, interdisciplinar e interinstitucional, que justifica algumas reflexões:
A dieta mediterrânica não é apenas um padrão alimentar, é um estilo de vida, um modelo cultural que não é possível compreender sem identificar e observar as práticas agrícolas, de subsistência alimentar e saúde comunitária, as convivialidades religiosas e profanas, que um longo processo histórico originou e determinou comportamentos sociais que permanecem vivos.
O universo cultural mediterrânico inscreveu-se na história do mundo, as suas civilizações avançadas estabeleceram uma rede de centenas de cidades mercantis a partir das quais se desenvolveu a agronomia e práticas alimentares, a náutica e astronomia, medicina, surgiram no Médio Oriente as três religiões monoteístas, também idiomas e alfabetos unificadores, a aritmética necessária ao comércio e a geometria às grandes realizações construtivas.
A medicina romana evoluiu a partir das experiências dos gregos, na “Naturalis História” (disponível na internet) escrita no primeiro século após Cristo, Plínio o Velho aborda também geologia, botânica, zoologia, astrologia, pintura, tendo como ideia a aprendizagem dos recursos naturais e os ciclos da vida. A descoberta recente em Pompeia de um termopólio intacto, espécie de restaurante de venda directa datado de 79 d.C, fornece informação sobre a alimentação da população no dia em que a cidade foi soterrada pela erupção do Vesúvio. Informações sobre a Península Ibérica resultam também da investigação, estão na posse de Instituições de investigação e ciência, devendo ser utilizadas pelas comunidades.
Verificamos que a alimentação da população portuguesa, maioritariamente camponesa até aos anos 50 do séc. XX, baseava-se em produtos frescos, da época e localmente produzidos. O clima e a extraordinária diversidade geológica e biológica do espaço português, nos campos, rios e oceano, garantiram a sobrevivência das populações durante muitos séculos, apesar das crises frumentárias (os cereais foram sempre fragilidade no mundo mediterrânico) e a estruturação de uma cultura não apenas alimentar mas envolvendo todos os aspectos da vida quotidiana.
Esse conhecimento acumulado com mais de dois milénios deixou de ser válido?
Não, será cada vez mais actual e necessário o uso dos princípios da dieta mediterrânica, no âmbito das políticas de ambiente, agrícolas, educativas, culturais e de saúde pública.
Se analisarmos os relatórios de organizações científicas internacionais, nos últimos 50 anos reduziram-se no mundo os ecossistemas naturais (75% das florestas primárias desapareceram), extinguiram-se espécies (2/3 da vida selvagem está extinta segundo a WWF), foram ocupados solos agrícolas férteis (80% segundo a Agência Europeia do Ambiente), a poluição dos oceanos é um problema grave (41% estão afectados segundo a “Science”), as alterações climáticas progridem (400 temperaturas recordes ocorreram no hemisfério norte no verão de 2019), com degelo nas calotes polares, aumento das doenças da civilização ou do comportamento (AVCs, diabetes, cancros, obesidade,…) são as principais causas de incapacidade e morte.
O IPCC recomendou a redução do consumo de carne, preferência por alimentos vegetais, sazonais e locais, evitar desperdícios, utilizar viaturas eléctricas, caminhar ou pedalar, substituir viagens de negócios por videoconferências, o isolamento térmico das casas, aquisição de bens com baixo teor de carbono incorporado,… A pandemia que em 2020 atingiu a humanidade parou parte da economia mundial, em particular a menos limpa, é um sério alerta global que irá antecipar muitas medidas urgentes sempre adiadas.
Mas há também boas notícias. A dieta mediterrânica é internacionalmente reconhecida como um dos instrumentos adequados para fazer face à crise global ao promover a agricultura de proximidade, a preservação ambiental e a valorização do património cultural, contribuindo para a saúde pública e a educação alimentar, em Portugal integra os currículos escolares. Universidades em vários países promovem formação e investigação sobre a dieta mediterrânica.
Dez anos com significativos avanços e resultados.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de janeiro)