A preguiça e a plenitude são como duas vizinhas numa aldeia algarvia. A preguiça passa os dias à sombra da figueira, com um chapéu de palha a tapar-lhe os olhos, e só mexe o braço para espantar uma mosca. A plenitude, por sua vez, anda a regar as plantas, a cuidar do galinheiro e a preparar uma tarte de alfarroba, com aquele ar sereno de quem já descobriu o sentido da vida. À primeira vista, parecem opostas. Mas se olharmos com atenção, talvez a preguiça tenha uma sabedoria escondida que a plenitude inveja.
No Algarve, estas duas encontram o seu palco natural. A preguiça adora as praias desertas de inverno, onde pode estender-se na areia sem ninguém a incomodar. A plenitude, por outro lado, é quem organiza os passeios pedestres pela serra de Monchique, garantindo que todos param para apreciar a vista e tirar fotos para o Instagram. A preguiça vive o momento à sua maneira: deitada. A plenitude também vive o momento, mas com uma agenda planeada ao milímetro. Quem está mais certo? Depende de quem pergunta.
A preguiça é mal compreendida. As pessoas pensam que é preguiça quando, na verdade, é um profundo amor pelo ócio. Não é que não queira fazer nada — é que já fez. Pensar, por exemplo. A preguiça é filósofa, mas não precisa de palco nem de conferências TED. Basta-lhe uma cadeira na varanda e o som das ondas a rebentar na praia. A plenitude, por outro lado, acha que viver é fazer. É plantar uma horta, ler todos os livros da estante e responder às mensagens do grupo da família. A preguiça olha para tudo isso e encolhe os ombros: “Para quê tanto esforço, se o sol nasce e se põe sem a tua ajuda?”
E no amor? Ah, aí a coisa complica-se. A preguiça é a amante perfeita. Nunca reclama, nunca exige, nunca corre atrás. Está lá, quieta, à espera que venham ter com ela. A plenitude, por outro lado, exige reciprocidade. Quer conversas profundas ao fim da tarde, viagens românticas a Tavira e, de vez em quando, um jantar à luz das velas com conquilhas frescas. A preguiça diz: “Para quê tanto trabalho, se podemos comer uma sandes de atum na praia?” E, curiosamente, às vezes tem razão.
Mas há um problema. A preguiça, quando levada ao extremo, rouba-nos a vida. Porque viver não é só deitar-se à sombra e esperar que o mundo passe. É preciso um pouco de plenitude para dar sentido aos dias. Um passeio pela Ria Formosa, uma visita ao mercado de Loulé, uma sardinhada com amigos. A plenitude sabe que viver não é só respirar — é sentir. E a preguiça, se não estiver atenta, acaba por perder isso.
No entanto, a plenitude também tem o seu lado cansativo. Quem é que aguenta estar sempre a ser “pleno”? A vida não é um anúncio de iogurte natural, e às vezes tudo o que precisamos é de uma sesta depois do almoço. A plenitude exagerada transforma-se numa pressão: fazer mais, ser mais, viver mais. E aí, a preguiça ganha. Porque, no fundo, a verdadeira plenitude tem um pouco de preguiça dentro dela.
No Algarve, aprendemos cedo que o equilíbrio é a chave. Não há problema em ser preguiçoso de vez em quando, desde que saibas quando levantar a cabeça e apreciar o pôr do sol. E não há mal em ser pleno, desde que saibas quando desistir de tentar fazer tudo e simplesmente abrir uma cerveja fresca. Porque a vida, como uma boa cataplana, precisa de equilíbrio. Nem demasiado cozida, nem crua. O ponto certo.
Por isso, descobre e depois conta-me tudo. Mas fá-lo com calma, porque, no fundo, a preguiça e a plenitude têm algo em comum: ambas sabem que o tempo é demasiado precioso para ser desperdiçado… a correr.
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