A ira e a resiliência são como dois colegas de trabalho numa repartição pública. A ira entra, esbraceja, grita com o mundo e ameaça demitir-se todos os dias. A resiliência, do outro lado da secretária, respira fundo, organiza os papéis e, com um sorriso paciente, diz: “Calma, isto resolve-se.” No fundo, a ira quer mandar tudo para o ar, enquanto a resiliência quer aguentar firme, porque sabe que, no final, há sempre um intervalo para o café.
No Algarve, estas duas forças têm o palco perfeito para se confrontarem. A ira aparece em agosto, nos estacionamentos impossíveis de Albufeira, quando um alemão num SUV gigante ocupa dois lugares e ainda faz um gesto de desculpa que mais parece um insulto. É nesses momentos que a ira quer partir para a violência, enquanto a resiliência sussurra: “Deixa estar, vai à praia a pé. Faz bem às pernas.” A ira quer buzinar; a resiliência liga o rádio e tenta apreciar o pôr do sol, mesmo preso numa fila interminável para a Ponte de Portimão.
Mas sejamos honestos, a ira tem os seus momentos de glória. É ela que nos faz reclamar quando nos cobram 10 euros por um chapéu de sol que parece feito de palhinha reciclada. É ela que nos dá coragem para exigir que o arroz de marisco tenha mais marisco e menos arroz. A ira tem esta energia explosiva que, quando bem usada, consegue até mudar o mundo. O problema é que raramente é bem usada. Normalmente, é só uma tempestade de palavrões e má disposição que termina connosco a pedir desculpa à pessoa que, afinal, não tinha culpa nenhuma.
A resiliência, por outro lado, é a santa da paciência. É aquele algarvio que aguenta estoicamente os turistas que perguntam, pela milésima vez, onde podem encontrar “um restaurante típico, mas sem sardinhas, porque não gostamos de peixe.” A resiliência suspira, indica o caminho com um sorriso e pensa: “O verão é só dois meses. Vais aguentar.” É ela que sobrevive aos preços inflacionados, aos estacionamentos inexistentes e às filas para comprar um gelado em Lagos. A resiliência é o verdadeiro herói do Algarve.
Mas e no amor? Ah, aí o duelo é ainda mais interessante. A ira é aquela paixão louca e descontrolada que faz com que atires o telemóvel ao chão porque ele/a demorou três horas a responder a uma mensagem. A resiliência, por outro lado, é quem junta os pedaços do telemóvel, dá-te um abraço e lembra-te que o amor não se constrói com explosões, mas com paciência e chá de camomila. A ira apaixona-se rápido, mas cansa-se depressa. A resiliência demora, mas quando ama, é para ficar.
No Algarve, a resiliência é rainha. É ela que ensina os locais a sobreviver ao caos do verão, sabendo que, em setembro, tudo volta ao normal. A ira tenta, mas ninguém consegue viver num estado constante de fúria quando se tem um pôr do sol na Ria Formosa a acalmar a alma. A resiliência bebe uma cerveja na esplanada, enquanto a ira ainda está a reclamar do tempo de espera para a sangria. A resiliência ganha porque sabe que a vida é demasiado bonita para se gastar com zanga.
E então, quem vence? É difícil dizer. A ira tem a sua força, mas a resiliência tem a sua sabedoria. Juntas, talvez sejam a combinação perfeita: a ira para nos fazer agir e a resiliência para nos ensinar a aguentar. Porque, no fundo, é disso que se trata viver no Algarve: reclamar com paixão e, logo a seguir, aceitar com paciência.
Por isso, descobre e depois conta-me tudo sobre este duelo. Mas conta devagar, com calma, porque a resiliência sabe que as melhores histórias levam tempo a ser saboreadas. E, já agora, passa-me a cerveja. Afinal, a resiliência também tem sede.
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