A gula e a moderação são como aqueles primos que não se suportam, mas que acabam sempre sentados lado a lado no jantar de família. A gula vem esfomeada, pronta para atacar tudo o que está na mesa, incluindo as azeitonas que eram só para abrir o apetite. A moderação, com aquele ar de superioridade moral, só prova um bocadinho de cada coisa, como quem diz: “Eu controlo-me, e tu não.” O problema é que ninguém gosta verdadeiramente da moderação. A gula, ao menos, é divertida.
No Algarve, este duelo tem sabor. A gula é aquela pessoa que vai ao festival de marisco de Olhão e decide provar de tudo: camarões, amêijoas, sapateira, polvo à lagareiro e, claro, a sobremesa porque “ainda cabe qualquer coisinha”. A moderação, por outro lado, é quem aparece, come duas ostras, diz que está satisfeita e passa o resto da noite a beber água com gás. Quem é que acham que vai para casa mais feliz?
A verdade é que a gula tem uma alegria de viver que é difícil de resistir. É ela que nos convence a comer aquela cataplana a mais ou a pedir o terceiro prato de caracóis no verão. A gula vive para o momento, sem pensar no futuro. É aquela voz na tua cabeça que diz: “Come, homem! Amanhã não sabes se vais cá estar.” A moderação, por outro lado, é como a nutricionista chata que te aparece no pensamento para te lembrar das calorias e do colesterol. “Já chega”, diz ela, mas nunca ninguém a quer ouvir.
E no amor? Ah, a gula e a moderação têm aqui um campo de batalha delicioso. A gula apaixona-se à primeira vista, como quem se atira para um prato de batatas doces assadas. É intensa, urgente e exagerada. A moderação, pelo contrário, prefere conhecer a pessoa primeiro, como quem prova um vinho: um gole pequeno, deixa respirar e decide mais tarde se vale a pena. O problema da moderação é que, às vezes, fica tanto tempo a decidir que perde o vinho para outra mesa.
O mais curioso é que a gula, por mais excessiva que seja, acaba por nos ensinar algo importante: aproveitar. Porque a vida, no fundo, é feita de momentos em que esquecemos a moderação. Como aquele dia em que exageraste no arroz de lingueirão na Ilha de Faro e só paraste porque já não conseguias mexer-te. Ou a noite em que pediste mais uma rodada de figos secos com aguardente, porque o verão algarvio merece ser celebrado.
Mas a moderação também tem o seu valor. É ela que nos impede de fazer figuras tristes, como ir ao bufê e sair de lá com um prato tão cheio que parece uma escultura contemporânea. É ela que nos lembra que, às vezes, menos é mais, sobretudo quando falamos de açorda de marisco: aquele equilíbrio perfeito entre o pão e o caldo que a gula teima em estragar.
Se há um lugar onde este duelo é mais evidente, é no Algarve. Porque aqui, entre as mesas cheias de petiscos e os cheiros irresistíveis a sardinha assada, é difícil dizer não à gula. A moderação tenta, mas como é que se resiste a uma mesa cheia de amigos, vinho fresco e um prato de percebes que acabou de chegar? A moderação, nesses momentos, rende-se. E bem.
Por isso, descobre e depois conta-me tudo sobre esta luta entre o demasiado e o suficiente. Mas fá-lo com um bom prato à frente, porque não há nada pior do que filosofar de barriga vazia. E, já agora, passa-me as amêijoas. A moderação que espere.
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