Vi as duas senhoras olhando-me com um misto de estranheza e desdém e quase me detive. Tentei observar-me através dos seus olhos de desconhecidas e constatei que talvez também eu achasse caricato ver uma mulher feita, grande, com ar de amazona e polvilhada de cãs, de fones nas orelhas a bambolear-se feliz na fila para pesar as verduras.
Quase me detive, é certo, mas não o fiz. Bem sei que o normal é dançar-se nas discotecas ao som de plastificados hits desprovidos de conteúdo e musicalidade, passados a decibéis aptos a trepanar os cérebros mais sensíveis.
“O normal vive infeliz”, pensei enquanto continuava a encher sacos com fruta, bamboleando as curvas ao som de uma rumba tão deliciosa quanto a uva que provei. Não sei se as duas senhoras me observaram por mais tempo ou se terão ficado a comentar, indignadas, que a “juventude” está cada vez mais perdida.
Continuarei a dançar onde quer que a vontade chegue e quando me apetecer. Até porque as normais discotecas me fazem lembrar câmaras industriais de tortura massiva, cheias, por um lado, de gente entediada e, por outro, de seres alcoolizados que não sabem elevar-se a estados de plenitude sem se exporem como predadores e presas em espásticas manifestações de cio.
Sim, continuarei a usar fones e a ouvir as minhas playlists; continuarei a abanar a cabeça e as ancas por aí, nos atípicos refúgios de uma anormalidade fecunda, produtiva e tremendamente feliz.
Sim, não me resta qualquer dúvida: continuarei a desafiar-nos para que dancemos muito mais por aí e menos onde é suposto.