“Porque se a rede mundial de computadores é uma grande cidade, com largas avenidas e jardins, com extasiantes monumentos por onde circulam deslumbrantes conteúdos, a internet, também, são becos escuros, ruas feias e sujas, proibidas ou desaconselhadas a crianças. E a adultos.”[1]
O excerto remonta a uma publicação adaptada do ano de 2015, que já revelava uma noção clara dos perigos que o mundo virtual acarreta para os adultos e, talvez ainda mais importante, para as crianças.
Estes alertas, em particular para uma geração dos anos 90/2000, não são novidade, uma vez que experienciaram em primeira mão um universo de possibilidades praticamente infinitas, numa altura em que ainda imperava uma certa incompreensão sobre o que se escondia para além do iceberg.
Pornografia, cyberbullying, grooming, vício digital, défice de concentração, sedentarismo e afetação da saúde mental: tudo isto são fenómenos vivenciados por esta nova camada de jovens adultos, que puderam constatar, na prática, a correlação entre estas temáticas. A questão será, para além de uma renovada compreensão sobre o assunto, o que mais mudou?
- Uma sociedade que, especialmente após enfrentar a pandemia da Covid-19, passou a encarar as plataformas digitais como um prolongamento da vida social, profissional e emocional.
- Uma sofisticação da Inteligência Artificial, que evoluiu de forma a transformar algoritmos em máquinas capazes de reter o utilizador durante o maior tempo possível.
Desta forma, se por um lado existe uma tendência para espelhar os comportamentos dos adultos, dando azo a alguma desordem interna na cabeça da criança —“porque é que tu podes e eu não” —, por outro lado, enfrentamos agora mecanismos de recompensa imediata como nunca visto anteriormente, que tornam o vício digital mais difícil de contrariar.
O Governo, numa lógica já assumida por vários países europeus e pelas instituições da União Europeia, decidiu recomendar às escolas a limitação do uso de telemóveis, medida esta que, no meu entendimento, é decididamente oportuna. Mas será o suficiente?
A verdade é que a cidade com avenidas e becos escuros pouco recomendáveis do mundo virtual não se reduz ao espaço escolar, estando fortemente presente em casa, nos transportes, nas atividades extracurriculares e até nos momentos de lazer em família, pelo que consideramos que o limite não pode ser meramente institucional, mas sim educacional e cultural.
Neste sentido, é de extrema importância o papel dos avós, pais, irmãos, que devem assumir uma postura proativa neste assunto norteada por três pontos cruciais: compreender, educar e limitar.
Compreender que estamos diante de um ser em desenvolvimento, que ainda não dispõe das ferramentas cognitivas e emocionais para estabelecer, por si, os limites entre um uso saudável e nocivo destes aparelhos, bem como antecipar consequências a médio/longo prazo. Por isso, encontra-se mais vulnerável a algoritmos que são desenhados para criar dependência.
Educar as crianças com conhecimentos de literacia digital e emocional, ao explicar-lhes, de forma paulatina, o lado bom e o lado mau do mundo digital. Além disso, será igualmente importante demonstrar que existem momentos para estar conectado e outros para estar presente no mundo real, assegurando um equilíbrio entre os dois mundos.
Limitar os horários, locais e circunstâncias em que os telemóveis devem estar presentes, ao assumir assim a coragem necessária para balizar a utilização destes aparelhos com tudo o que isso implica, nomeadamente, dar o exemplo. Por outro lado, tendo em conta o normal distanciamento físico diário entre as crianças e adultos, que impede uma monitorização mais próxima, é de extrema importância a utilização de aplicações como Google Family Link, que permitem a limitação de tempos por aplicação no telemóvel da criança, a localização física da mesma em tempo real, bem como a restrição a acesso a websites com conteúdos impróprios.
[1] Lança, H. C. (2016). A regulação dos conteúdos disponíveis na internet: A imperatividade de proteger as crianças (1ª ed.). Chiado Editora, pp. 15-16.
*Gonçalo Camacho é vogal da JSD/Algarve. É formado em Programação e Gestão de Equipamentos Informáticos, licenciado em Direito e atualmente mestrando em Ciências Jurídico-Forenses.
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