No último artigo abordámos o tema da migração e dos refugiados como um dos problemas da atualidade, evidenciando o contributo que alguns artistas têm procurado dar através das obras que produzem, como é o caso do próprio Banksy.
Desta vez pretendemos destacar o papel específico do artista chinês Ai Weiwei na defesa desta e doutras causas sociais, como ativista político.
Este artista, de 63 anos, eleito como o mais popular do mundo em 2020 pelo “The Art Newspaper”, é considerado um dos artistas mais interventivos e criativos da contemporaneidade, mundialmente reconhecido pelo seu ativismo político e por procurar produzir obras dedicadas a questões sociais e a direitos humanos.
Numa das suas instalações, em 2016, usou 14 mil coletes salva-vidas de imigrantes que faziam a travessia do Mediterrâneo, recolhidos na Ilha de Lesbos (Grécia), fazendo uma grande instalação nas colunas da Konzerthaus, em Berlim, tendo por objetivo mobilizar a comunidade internacional contra o crime de tráfico de seres humanosna Mar Egeu. A instalação incluiu também um barco de borracha, igual ao usado pelos refugiados para chegar à Europa.
Também em 2016, numa das suas obras mais conhecidas, intitulada “Law of the Journey (Prototype C)”, apresenta um barco insuflável de 16 metros de comprimento cheio de figuras humanas insufláveis, fazendo alusão à crise global de refugiados. A cor negra usada no barco e nas figuras insufláveis representa a tragédia, enquanto o tamanho da obra representa a grande dimensão do problema.
Todo o trabalho de Ai Weiwei é de ativismo político, em particular como crítica ao regime deXi Jinping. Por exemplo, através de “Snake Ceiling” (2009), uma grande instalação em forma de serpente constituída por centenas de mochilas de crianças, em memória aos estudantes mortos no terremoto de Sichuan, em 2008.
E foi precisamente em 2009 que foi detido pelas autoridades chinesas e agredido, seguindo-se em 2010 o encerramento do blogue que mantinha há quatro anos e onde criticava o Partido Comunista Chinês, bem como a demolição do seu estúdio por supostas questões burocráticas. Em 2011, voltou a ser preso e arriscava 13 anos de cadeia. Passou 81 dias na cadeia por subversão e saiu após pagar uma multa de mais de dois milhões de euros, através de donativos de fãs. Durante quatro anos teve o seu passaporte confiscado. Quando o devolveram, em 2015, mudou-se para a Alemanha, nunca mais tendo voltado à China, com receio que lhe confisquem o passaporte.
Nos últimos tempos tem vivido no Alentejo e o seu trabalho está a ser apresentado pela primeira vez em Portugal, com a exposição “Rapture”, a decorrer na Cordoaria Nacional, em Lisboa, até 28 de novembro.
Com curadoria do brasileiro Marcello Dantas, esta exposição apresenta alguns dos trabalhos mais icónicos do artista, tal como “Law of the Journey (Prototype C)” e “Snake Ceiling”, assim como obras originais produzidas em Portugal, com materiais tipicamente portugueses, como a cortiça, incluindo trabalhos com azulejos e cerâmica.
A exposição pretende mostrar Ai Weiwei como um artista que é também “um arqueólogo de métodos e práticas que foram sendo perdidas na história dos lugares”, como seja o artesanato, aplicando-as à arte contemporânea. Assim, quando preparou a exposição, o artista pôde contactar com materiais e artesãos portugueses, dando uma nova leitura às técnicas usadas, com um sentido de arte contemporânea.
O cartaz desta exposição mostra-nos Ai Weiwei a olhar-nos fixamente e abrindo mais os olhos com a ajuda das mãos, como que a provocar-nos para estarmos atentos e não virarmos as costas ao que acontece à nossa volta, procurando combater a apatia e a indiferença aos problemas sociais do mundo em que vivemos.
Para Ai Weiwei, a sua arte é precisamente o protesto, a voz política. Conforme refere no livro “Weiwei-ismos”, editado a propósito desta exposição, “A liberdade de expressão implica que o mundo não esteja definido. Só faz sentido quando se permite que as pessoas possam ver o mundo à sua maneira (…) Quero que as pessoas vejam o seu próprio poder”. Mas salienta ainda o seguinte: “As minhas mensagens são temporáriase não devem ser a nossa condição permanente. E, tal como o vento, hão-de passar. Outro vento há-de vir.”
Desta forma, as criações artísticas devem ser contextualizadas e entendidas na época em que são produzidas, pois a arte acompanha o desenvolvimento da sociedade, sendo uma expressão desta, mas a atitude de ativismo político através da arte visual pode estar sempre presente, podendo a produção artística ser um instrumento para promover a sensibilização e a consciencialização relativamente a questões sociais, ambientais e outras, que vão ocorrendo ao longo da história da humanidade.