Por definição, a comunicação publicitária deve ser leal, honesta, verídica, estar perfeitamente identificada e não se prestar a qualquer forma de manipulação ou uso de técnicas proibidas, como as mensagens subliminares. Este o princípio, a prática é tumultuosa, sempre à procura de seduzir a que preço for. Primeiro foi a fragmentação dos média, que exigiu à publicidade novas formas de inserção e apresentação; segundo, a globalização, que trouxe parcerias estratégicas no setor da comunicação, isto na prática quer dizer que nas novas redes globais passou a ser vital para os anunciantes o estabelecimento de uma comunicação comercial que incorpore noutras manifestações, de modo a que, a partir de uma temática ou de um produto soberano ou até de um logo, se potenciem benefícios na esfera dos negócios.
Uma sala de espetáculos pode passar a ter o patrocínio da Altice ou da Super Bock; os espetáculos no Campo Pequeno decorrem em espaço Sagres; figuras com notoriedade pública recomendam aparelhos de audição, um champô para combater a caspa, alimentos especiais, e o muito mais que se sabe.
Esta estratégia da globalização não esqueceu aspetos específicos regionais, e daí ter surgido uma publicado glocal – por exemplo, há que estudar cuidadosamente as cores das sociedades islâmicas, não lhe interessa entrar em conflitos com os usos e costumes locais; e Estado a Estado foram se impondo regras para controlar a colocação de produtos em séries televisivas ou telenovelas, houve mesmo declarações de fé de que a publicidade iria respeitar o ambiente e até as mudanças climáticas, comprometendo-se a apoiar a informação dos consumidores no tocante aos melhores impactos ambientais.
Mas o mundo mudou com a proliferação das redes, as publicações online, o Youtube, o Instagram, o Twitter, o Facebook, começam agora a aparecer influenciadores que lançam mensagens em vídeos, fazem comentários, espalham fotografias, é um trabalho dissimulado e sub-reptício, na prática é publicidade oculta, comunicação manipuladora e, tudo somado, importa sujeitas estas mensagens às regras de publicidades setoriais. Nas redes pode difamar-se uma marca, fazer-se um comentário de elogio a um produto financeiro não autorizado, explorar a imagem de outras pessoas sem o seu conhecimento – e não nos podemos esquecer que com recurso à inteligência artificial estas condutas poderão tornar-se cada vez mais sofisticadas e generalizadas.
Não há ilusões, irá aumentar a proliferação de determinados geradores de conteúdos nas plataformas da internet, nas redes sociais e nas mensagens eletrónicas, é aqui que trabalham os influenciadores, autênticos criadores de conteúdos com fins comerciais, que criam com o seu público uma relação baseada na confiança.
A legislação existente é muito importante, mas é insuficiente. Temos uma legislação sobre práticas comerciais desleais, utilíssima, mas que não abarca este novo fenómeno; temos a legislação do comércio eletrónico que proporciona uma proteção complementar aos consumidores quando os influenciadores publicam publicações comerciais na internet, isto para já não falar na legislação europeia sobre direitos dos consumidores, conteúdos e serviços digitais e vendas de bens, isto a par dos regulamentos dos serviços e mercados digitais que procuram assegurar maior transparência e responsabilização relativamente aos conteúdos de serviços digitais e aos responsáveis pelas plataformas.
O Comité Económico e Social Europeu emitiu um parecer em meados de julho deste ano, procura proceder a um diagnóstico sobre as plataformas digitais e a legislação existente e lança um conjunto de propostas para assegurar a melhoria e aplicação da legislação europeia para combater atividades ilegais específicas que envolvam influenciadores
Os responsáveis por este parecer pretendem que os administradores das plataformas e das redes sociais sejam solidariamente responsáveis pelos conteúdos ilegais publicados por criadores de conteúdos/influenciadores, e que estes mesmo administradores fiquem obrigados a solicitar aos criadores de conteúdos/influenciadores que operam fora da União Europeia uma identificação clara da responsabilidade jurídica na União Europeia. Chama-se igualmente a atenção para o Grupo de Reguladores Europeus dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual de modo em que se encontre um processo técnico expedito de forma a excluir os utilizadores menores da plataforma e/ou redes sociais do visionamento de quaisquer conteúdos sensíveis (caso do álcool e bebidas energéticas, jogos de azar e apostas, pornografia, tabaco e produtos derivados, cirurgia estética, etc.), de qualquer modo estes conteúdos devem conter a indicação de ser proibidos a menores de 18 anos, incluírem palavras como publicidade, comunicação comercial ou patrocinador.
O leitor tem acesso em língua portuguesa a este parecer sobre publicidade através de influenciadores no link: https://www.eesc.europa.eu/pt/our-work/opinions-information-reports/opinions/advertising-through-influencers-and-its-impact-consumers.
Espera-se que os organismos a quem cumpre zelar pelos direitos dos consumidores, as associações de consumidores, as entidades de regulação de comunicação social, as organizações de interesse público que procuram zelar pela transparência das notícias e dos conteúdos se envolvam neste debate e deixem bem claro que há um perigo eminente de deixar os consumidores à mercê das estratégias dissimuladas dos influenciadores qualquer que seja o meio digital em que atuem.
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