Fez uma semana desde que se instaurou o caos em Lisboa, pela revolta da morte de Odair Moniz, provocada por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro. As circunstâncias do caso ainda não foram esclarecidas e cada dia que passa traz consigo mais incongruências e contradições.
Os órgãos de comunicação social ofereceram várias versões aos espetadores: um carro que era roubado e afinal não era, a ameaça com uma arma branca que afinal, estava ou não numa bolsa, a fuga de Odair, a conduta suspeita que levou os agentes a abordá-lo em primeiro lugar, sem fundamento. Suspeita porquê?
Paremos de apontar dedos e esperemos o apuramento das circunstâncias, permitindo que as armas cedam o lugar à toga
Uma pessoa morreu. Há cada vez mais dedos que culpam o racismo ou a falta de preparação na formação da PSP, ou ambos. Embora as circunstâncias que nos permitirão fazer juízos concretos ainda não tenham sido apuradas, não podemos legitimar o uso excessivo da força ou melhor, a violação da vida, pelas forças de autoridade. Será que foi legítima defesa? E se tivesse sido, era mesmo inevitável disparar para o tronco de Odair?
Seja como for, se demonstrarmos empatia por Odair, corremos o risco de ser rotulados como intransigentes ativistas anti-forças de segurança, reduzindo essa camada laboral a uma generalização de mal preparados civis que recebem uma farda oferecida pelo estado, que lhes permite disparar em função da cor do perseguido. Se, por outro lado, questionarmos as circunstâncias que validariam o agente sentir-se ameaçado, somos racistas que discorrem em função da cor do pensamento. É um constante ritual de delimitação entre Nós e os Outros, em que o meio termo não existe.
Da mesma forma, não podemos deixar de fazer referência aos atos de vandalismo perpetrados na capital, que se autodestrói, satisfazendo uma forma de justiça pessoal, ou vingança, em pessoas humildes que, para além de não terem tido relação ao caso, também fazem parte da camada social desfavorecida que vive nas zonas rurais sensíveis e que tiveram os seus carros queimados. Fale-se também do motorista de autocarro que foi parar ao hospital queimado e das pessoas esfaqueadas, preconizando um tiro no próprio pé: em que os bairros se vingam de si, em si, contrariando o que dizem querer e oferecendo argumentos à direita securitária extremista para mobilizar nas suas políticas racistas e anti-imigratórias.
As Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS) são zonas de atuação policial reforçadas, com recurso a meios especiais e operações especiais (art.10º da Lei de Política Criminal, nº 38/2009). Nestas, inclui-se a Cova da Moura, que exige uma ação policial de outro tipo. Se, contudo, o agente, efetivamente, não atuou ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, como a legítima defesa, (art.31º/2/a do Código Penal) vamos confiar que a justiça fará da sua conduta o exemplo, como apela a Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro[1].
Todos queremos um país seguro em que nem a polícia nem os transeuntes sejam uma ameaça. Paremos de apontar dedos e esperemos o apuramento das circunstâncias, permitindo que as armas cedam o lugar à toga.
[1] https://portal.oa.pt/comunicacao/imprensa/cronicas-bastonaria-oa/confiar-na-justica/.
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