Exmos Senhores
Era uma mata muito engraçada…
No dia 24 de março de 2023, as obras da apelidada “requalificação da Mata do Liceu”, da responsabilidade do executivo camarário de Faro, foram finalmente concluídas.
Falamos de uma obra pública, num dos raros espaços verdes que ainda persistia em Faro, utilizado e fruído por inúmeras famílias com crianças, jovens estudantes, desportistas, séniores, onde foram despendidos mais de 1 milhão de euros e para o qual os habitantes não foram ouvidos previamente ao projecto, nem as suas sugestões, apresentadas antes da execução da obra, foram aceites.
É caso para perguntar: “como acolhe o poder político a participação dos cidadãos?”
Face ao que nos é dado presenciar, o Glocal Faro espera que os munícipes ajuízem o efeito desta “requalificação”.
Essa avaliação pode ser facilitada se responderem a questões como estas:
· Na cidade de Faro há “excesso de árvores”?
· O rácio “habitantes permanentes – árvores/espaço verde” é alto?
· Chove em quantidades necessárias para se ter um clima e uma biodiversidade equilibradas?
· Faro tem frequentes ondas de calor e muitos meses quentes?
· Um pavimento de betão permite a infiltração da água pluvial no subsolo?
· Uma árvore nova, mesmo de sequeiro, quantos anos precisa para poder sobreviver sem rega e sem manutenção constante?
· Uma árvore adulta purifica o ar e minimiza a temperatura com a mesma eficiência que uma árvore nova?
· Foi prevista uma compostagem colectiva do material vegetal?
A resposta a estas questões determinará se é aceitável que o município tenha:
1. transformado uma mata , já por si pequena, num pseudo jardim urbano;
2. abatido árvores sadias para plantar um relvado;
3. plantado árvores novas e simultaneamente impermeabilizado o espaço;
4. optado por gastar ainda mais água em rega numa altura em que aquela é tão escassa.
Desfez-se, enfim, uma mata, que passou a designar-se por “eco-jardim”, com direito a “workout spots”, mobiliário urbano e trilhas em cimento, impermeabilizações várias, campos de basketball cor-de-rosa choque, relvados e rega em barda, e aspersores, e mais aspersores.
É esta a insustentável remodelação paisagística que, na passada sexta-feira, foi apresentada com muita pompa, circunstância e o habitual e fundamental cortejo de marketing, à sequiosa população de Faro
Sequiosa, sim, porque Faro clama por árvores e espaços verdes. Sequiosa, sim, porque Faro quase não tem sombras. Sequiosa, sim, porque se decidiu acabar com 17 parques infantis espalhados pelos vários bairros da cidade e as famílias simplesmente não têm alternativas ao ar livre para brincar e fruir com os seus filhos, nem os desportistas têm espaços à altura para as suas práticas.
Sequiosa porque a água escasseia, de ano para ano, mas continuamos a insistir nos relvados e a impermeabilizar-nos até ao tutano.
Pode ser que os aumentos absurdos das tarifas da FAGAR que foram recentemente impostas à população, consigam cobrir parte das despesas que advirão da gestão e manutenção deste novo eco-espaço. (Mas as sinapses da memória também nos lembram o enorme desperdício de água provocado pelas constantes rupturas na rede de distribuição de água deste concelho)
Enquanto isso, um pouco por toda a Europa, a tendência é outra. Começam a disseminar-se florestas Miyawaki, com exemplos de sucesso na Holanda e no Reino Unido. Aqui no Algarve, também já foi dado o pontapé de saída num bonito projeto no Algoz, pelas mãos do coletivo Floresta Nativa. Um método mais orgânico, mais consistente, mais sustentável, ambiental e financeiramente, e com melhores resultados em menos tempo.
O Glocal Faro lamenta que não tenham sido tidos em conta todos os alertas e sugestões feitos, quer pelo Glocal, quer por outros cidadãos, e prevê que daqui a 15 ou mais anos, após ENORME GASTO de ÁGUA e de TRATAMENTOS, volte a haver sombras neste novo jardim; nessa altura, talvez o espaço retome a função de diminuir a temperatura e de purificar o ar da cidade.
Quanto à Mata….
“Era uma mata muito engraçada, ficou sem árvores, ficou depenada. Mas foi inaugurada com muito esmero, nesta cidade carente de verde!”.
Aplausos?
Nota: nem a recente lei do Arvoredo urbano, Lei 50/2021, conseguiu minimizar, ou melhorar esta obra de betão.
- Carta aberta da equipa do movimento Glocal Faro: Raquel Ponte, Rosa Guedes, Tereza Fonseca