O uso da leitura com fins terapêuticos é antigo e muitos registos atestam essa utilização. No antigo Egipto, o Faraó Rammsés II mandou colocar no frontispício da sua biblioteca “Remédios para a alma” (Alves, 1982). As bibliotecas egípcias ficavam localizadas em templos designados de “casas de vida” como sendo locais de conhecimento e espiritualidade (Montet, 1989).
O povo grego também associava os livros ao tratamento médico e espiritual. Os gregos chamavam biblion ao livro, em memória da cidade fenícia de Biblos, famosa pela exportação de papiros. É considerada a cidade mais antiga do mundo (Vallejo, 2020).
Li estas interessantes referências num livro que me tem estado a fazer viajar no tempo, e que versa sobre a invenção do livro na Antiguidade e o nascer da sede de leitura, intitulado O Infinito num Junco. A sua autora, Irene Vallejo, tem uma mestria a escrever, um sentido de humor e uma envolvência que há muito não encontrava num livro.
Ao ler este livro aprendi muito e fiquei a saber que afinal já estive na cidade mais antiga do mundo. Nas placas, ao sair de Beirute, aparecia escrito em árabe “Jbeil 38 km”, só ao chegar à cidade é que aparece escrito Byblos.
Como diz a autora, a designação desta cidade deu origem ao nome da grande obra, a Bíblia.
Na Idade Média o acto de ler para curar, era usado durante as intervenções cirúrgicas, para ajudar a aliviar o sofrimento dos doentes. Consta que na Biblioteca da Abadia de Saint Gall (uma das bibliotecas monásticas mais antigas do mundo) encontrava-se a inscrição: “Tesouros dos remédios da alma”.
“Ler é o melhor remédio” e as funções da biblioterapia
Em 1812 o Dr. Benjamin Rush recomenda pela primeira vez a leitura como apoio da psicoterapia. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18) surgem bibliotecas nos hospitais de campanha e em 1941 o termo “Biblioterapia” integra pela primeira vez um dicionário médico ilustrado.
Só em 1949 o conceito de biblioterapia começou a ganhar forma tal como é entendido hoje. Foi com a tese de doutoramento da professora e bibliotecária americana Caroline Shrodes, intitulada Bibliotherapy: a theoretical and clinical-experimental study, que o mundo académico passou a prestar mais atenção ao tema.
C. Shrodes defendia então que a literatura tinha a capacidade de desencadear uma resposta afectiva que podia ser canalizada para o crescimento psicológico, social e emocional do leitor, sendo isso conseguido, por exemplo, através da identificação com as personagens dos livros e as situações por elas vividas.
A biblioterapia é cada vez mais usada em todo o mundo. Existe em Lisboa, no LX Factory, um espaço onde é possível ter consultas de biblioterapia, onde incluem remédios literários para o corpo e para a alma! Vão assim surgindo novas profissões como biblioterapeuta e reading coach.
Em Faro existe um novo projecto da Biblioteca Municipal, em parceria com a Administração Regional de Saúde do Algarve (ARS), que pretende distribuir “receitas poéticas”, inclusive com a aparência de uma prescrição médica, recomendando ao utente a toma de poemas da autoria de diversos autores.
Este projecto com o nome ler é o melhor remédio, conforme refere o Portal do Município de Faro insere-se «numa estratégia integrada de promoção do livro, da leitura e das literacias, integrada no Plano Municipal de Leitura de Faro».
Excelente iniciativa para melhorar o estado de alma dos utentes através da leitura de poesia, diria até que, para além de biblioterapia, é também poeticoterapia!
Cito essa informação «A posologia das receitas indica que se deve “ler um poema de 12 em 12 horas” e, consoante o caso, a receita poderá contribuir “para melhorar o humor”, “para começar bem o dia”, “para combater a dor emocional” ou até “para ler a um amigo”. É também autorizada e aconselhada a visita à Biblioteca Municipal de Faro, que terá um livro para oferecer a todos os cidadãos que apresentem a “receita poética”.»
O mundo dos livros é fascinante, através deles viajamos, aprendemos, crescemos intelectualmente, ganhamos paz de espírito ou inquietação e tornamo-nos outras pessoas.
Ler na natureza pode ser tranquilizante e ser for junto às árvores, essas que são as mães dos livros e que podemos abraçar … então sentimo-nos em casa, porque as árvores foram “o primeiro lar da nossa espécie” onde os livros nasceram. Talvez por isso sejam “o mais antigo recipiente das nossas palavras escritas.”
Muito haveria para escrever, como o espaço não permite, ficam então duas sugestões:
1. Pensar qual foi o livro que mais marcou a vossa vida e se foi de algum modo terapêutico!
2. Oferecer livros neste Natal!
A bibliografia e a recomendação de livros, que são verdadeiros tesouros literários, não cabem aqui pelo que coloquei na página de Facebook: Retiros Literários – o silêncio e a palavra.
* A autora não escreve segundo o acordo ortográfico