Ana Maria de Jesus Ribeiro nasceu a 4 de Agosto de 1821 perto de Laguna, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. Filha de Maria Antónia de Jesus Antunes e de Bento Ribeiro da Silva, recebeu uma educação elementar, mas era dotada de grande intuição e inteligência. Montava a cavalo com destreza e era uma hábil nadadora.
Aos 14 anos de idade o seu pai morreu, ficando a família em extremas dificuldades económicas, razão que a fez casar com o sapateiro Duarte, bem mais velho que ela. Aos 18 anos conheceu o famoso general e revolucionário Giuseppe Garibaldi, o “herói de dois mundos”, tendo este ficado impressionado com a sua aparência e personalidade. Garibaldi tinha 32 anos nessa altura. Anita decide fugir com Giuseppe e casaram no Uruguai. Anita escolheu-o porque viu nele a perspectiva da vida desejada. Com grande coragem e absoluta determinação deixa a sua família, o seu marido, o ambiente e a cultura em que está inserida, para embarcar numa vida aventureira ao lado do seu “José” (assim chamava a Giuseppe), sabendo que nunca mais voltará.
No Brasil e no Uruguai, e sob lemas de liberdade e de justiça, luta ao lado de Garibaldi pela liberdade do povo, sempre pronta para incitar os soldados, trata dos feridos; sendo igualmente uma esposa exemplar e uma mãe atenciosa. No final de 1847 acompanhou Garibaldi até Itália e fixaram-se em Roma, para onde Garibaldi se tinha deslocado em auxílio da recém proclamada República Romana, enquanto o Papa, senhor da Itália central, tinha fugido.
A jovem República foi impelida a render-se às forças francesas e austríacas, pelo que Giuseppe e Anita são forçados a fugir, perseguidos pelas milícias que se apressam a ajudar o Papa, que acaba por regressar a Roma. Garibaldi quer ajudar Veneza na sua luta. Anita está grávida e sofre de malária, tendo sido contaminada nos pântanos de Pontine, em redor de Roma. A fuga ocorre ao longo de estradas enlameadas e caminhos sinuosos. Por vezes os fugitivos param e escondem-se durante algumas horas, isto quando encontram refúgio junto de pessoas que estimam e respeitam Garibaldi e o admiram pelas lutas que ele tem conduzido. Anita começa a refugiar-se na bebida, consumindo cada vez mais e mais frequentemente.
Os dois fugitivos conseguem chegar à República de San Marino. Ali Anita estava segura e poderia parar e tentar restabelecer-se, mas a sua inabalável vontade é seguir Giuseppe e parte de novo com ele. Depois de inúmeras aventuras no mar, ressequida pela sede e com febres altas, Anita chega exausta às terras da região da Romanha, na zona de Ravena, onde morre nos braços de Garibaldi. Foi a 4 de Agosto de 1849. Os restos mortais de Anita estão sepultados em Roma, na colina de Gianicolo, onde está eternizada através de um monumento representando-a montada num cavalo com o seu filho nos braços. A vida de Anita foi curta, faleceu com apenas 28 anos, mas conhecia os sentimentos mais verdadeiros e mais fortes. Viveu uma vida de renúncias e desilusões, mas o que escolheu com determinação e coragem tornou-a única. Em Itália, Brasil e Uruguai, Anita (e a sua imagem) é tida como símbolo de liberdade e de justiça.
Especialmente na região da Emília-Romanha, famílias, eclesiásticos e pessoas de todos os estratos sociais ajudaram Anita e Garibaldi a esconder-se e a escapar à caça impiedosa e implacável das tropas francesas e austríacas. Nas muitas cidades por onde Anita e Garibaldi escaparam e foram sendo ajudados, existem memoriais em pedra para recordar a passagem dos dois heróis.
A memória destes acontecimentos, eternizada pela chamada ‘rota garibaldina‘, que salienta não apenas o percurso de fuga feito pelo casal, mas também todos os locais onde foram auxiliados pelos populares, está ainda muito viva em toda a Romanha. Nessa terra que amava Anita (e ainda ama profundamente) nasceu há alguns anos o projeto ‘Uma Rosa para Anita’, cujo objetivo é recordar, celebrar e valorizar a sua história. As celebrações deste ano serão particularmente especiais, pois festeja-se o bicentenário do seu nascimento (1821-2021). Giulio Pantoli, um botânico especialista que dedicou a sua vida ao estudo e produção de numerosos híbridos de rosas obteve uma bela rosa dedicada a Anita: a ‘Anita Rose’. Esta rosa especial, reveste-se neste projeto de um valor e significado simbólicos, como símbolo da personalidade, dos valores e da determinação de Anita. Ela permite prolongar na posteridade os valores de justiça e liberdade, da genuína generosidade, da pureza de espírito, do sentido do dever e do amor pelo povo. A rosa é plantada num jardim como ato final das celebrações que têm lugar nos vários municípios que participam no projeto. O projeto inicialmente regional da Emília-Romanha estendeu-se a outras regiões de Itália, à República de São Marino e ao Brasil (Estado de Santa Catarina) e Uruguai, tornando-se atualmente em “Dois mundos e uma rosa para Anita”. Este último projeto em dois continentes provou também ser um catalisador de amizade, de laços culturais e económicos entre os vários territórios envolvidos. Pelo seu valor, pertinência e alcance, este projeto foi recentemente apresentado na Conferência Internacional de Antropologia em Espanha, a convite da Universidade de Salamanca.
A bisneta viva de Anita e Giuseppe, Annita Garibaldi Jallet, participou nas celebrações trazendo o seu testemunho sobre as questões que dizem respeito à sua família, às quais também dedicou estudos e pesquisas no Brasil e no Uruguai.
Um facto curioso prende-se com a possívelascendência açoriana de Anita, uma vez quemuitos habitantes dos Açores emigraram para o sul do Brasil nos finais do séc. XVII e durante todo o séc. XVIII. Annita Garibaldi Jallet (bisneta) recorda nos seus estudos essa forte possibilidade, referindo que “as características das mulheres açorianas correspondem bem a Anita, a sua força, a sua dignidade, a determinação para se colocar lado a lado com o marido nas lutas, para impor o seu direito de estar a seu lado”.
Anita, a heroína de dois mundos, merece ser dignamente celebrada e recordada, tanto nas terras por onde passou, lutou e foi amada, como também o merecerá nas terras, ao fim e ao cabo, de parte das suas raízes.
(Tradução: Nuno M. Viegas)
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