Não acreditam? Viciei-me, de tal forma, na ensurdecedora cacofonia das redes sociais, que até tenho receio de lá escrever larachas mais profundas.
Enfim, encostei-me à senhora das dores, ao senhor dos aflitos, tomei as suas paixões, de tal modo que me sinto à altura de praguejar simplificadas ameaças de morte nas redes sociais, com o mesmo vigoroso vício com que delas já me apropriei.
Foi nelas, finalmente, que encontrei fórmulas tão sintetizadas, tão condensadas da realidade do mundo, que as tomei como oportunas soluções, autênticos milagres para os meus problemas e para os problemas da Humanidade. Às vezes, nem preciso escrever. Basta que coloque uma foto e o pessoal fica todo grudado, tomando o que ela é, um pequeno apontamento, por esse todo bem mais complexo que a foto não é.
Para bom exemplo, basta questionar, quatro anos depois, quem ainda se lembra da pandemia do Covid 19 e de todos aqueles coronas, inclusive doslockdowns em forma de confinamentos? Quem não ousaria pensar que os férteis momentos daqueles posts nos salvariam, que “vai tudo ficar bem”, na corrente de esperança do arco-íris? Soluções tão simples e cristalinas como a célebre terapia da inspirada lixívia, emprenhavam-se tão massivamente nas redes sociais que nem balões de ar quente, com os seus ventos de sabedoria, portadores dos remédios de charlatões.
Quando a pandemia emergiu, contávamos que as pessoas que nos podiam salvar fossem as que escreviam anacrónicos primarismos, em jeito de posts, no Facebook, no Instagram, no Tik Tok, no fluir dos seus impulsos instantâneos.
Depois… depois, claro, veio a desilusão da nossa rendição à rapaziada da zaragatoa. Pois é! Foi um desalento ter que contar com aqueles que tinham queimado pestanas durante muitos anos no estudo da biologia, da organização social, da farmácia, da medicina e assim por diante, na contramão de um saber tão repentista quanto o café instantâneo.
Mas isso é para esquecer, porquanto não se nega mais a superfície do mundo vertiginoso em que vivemos, o imediatismo que nos consola e a ausência de requisitos de profundidade, esses que ninguém mais nos obriga.
As redes sociais fazem os nossos encantos porque não nos obrigam a refletir e a produzir saber, tampouco a aprofundar temas de porra de coisa nenhuma.
Sei que se for o primeiro a sair com umas larachas ou umas fotos bem porreiras, logo verão em mim o fiel depositário de likes, com a eximia facilidade em colocar plateias a meus pés, porque o mais imediato ficará sempre à tona da água. Sim, porque a plateia gosta do escorreito, do digesto, do mais fácil de entender, do mundo filtrado pelos Instagrams, os Facebooks e companhia.
Pensar é pior que andar à chuva. Não é novidade nenhuma. Mesmo no ensino, que seria suposto ser espaço de exceção, o professor que não transforme o seu saber em receitas imediatas, fica enfadonho. Depois ainda tem a ousadia de interromper a consulta ao telemóvel nas aulas, o que acho inaceitável. Não tenho pachorra para aquilo que é complexo exigindo explicação mais longas, conversas mais profundas e complicadas. Conhecer em profundidade é uma estopada do piorio. Posso ser protagonista de um pensamento raquítico, mas o que me interessa mesmo é que a minha produção seja viral, que consiga captar o mundo transformado em espetáculo, numa única e assertiva imagem.
Bem desafiante é decifrar o potencial do algoritmo, trabalhar frases feitas aos extremos, pequenas, mas bombásticas, para que possam puxar os cordões à bolsa dos extremismos.
A minha produção não é um absurdo. Firma-se por conta da minha enorme necessidade de me sentir validado. Quem é o idiota que ousa dizer que a frases feitas correspondem ideias estreitas?
E ainda há tolos mansos que sugerem que reflitamos, que tenhamos tempo e disponibilidade para nos ouvirmos, que procuremos saber ouvir os outros, compreendê-los mesmo que discordemos, que saibamos suscitar a sua confiança, que não eliminemos a empatia, que não sejamos reativos nas redes sociais que nem cachorros de Pavlov.
Nem por sonhos! Deus criou o mundo em seis dias e ao sétimo descansou por pensar que tinha o assunto arrumado, mas não tinha. Ora, aqui “tá” a nossa tarefa bem mais facilitada. O que é preciso é arrumarmos os assuntos com uma frase ou uma foto e “prontes”, o nosso mundo “tá” inquestionavelmente feito.
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