A viuvez reformula a segunda parte da vida qualquer que ela seja.
A espécie humana é gregária, vive em comunidades familiares ou de vizinhança. Apesar de alguns indivíduos viverem isoladamente por motivos de índole pessoal, a maioria prefere viver agregado a outro, neste caso cada individuo escolhe e ‘une-se’ a outro do género oposto e em conjunto formam uma unidade familiar tentando materializar os seus ideais, sonhos e projectos em comum.
Atualmente, muitas destas uniões, formalizadas ou não, duram apenas um período mais ou menos longo e terminam desfazendo os sonhos conjuntos, seguindo cada qual o seu caminho. A questão que se levanta é quando um dos elementos termina a sua viagem pela vida muito antes do que seria de esperar. O projecto comum fica truncado, é o interromper de aspirações e desejos. Neste caso, o mais vulgar e aconselhável é o/a sobrevivente procurar uma/um parceira/o na mesma situação para reformularem os seus projectos, tornados individuais, e retomarem um caminho pela vida em conjunto.
Pode não ser fácil conjugar dois ‘meios caminhos’ diferentes em um único. É necessário reorganizar duas famílias com hábitos diferentes, o que por si só constitui um desafio. Se estiverem os dois na mesma situação de viuvez, creio que se tornará mais fácil cada um deles entender as dificuldades e aspirações do outro, aproximando-se progressivamente ao nível psicológico, no caminho da ultrapassagem dos traumas de cada um deles.
A vida pode ter muitas partes, mas todas elas reformulam o tempo seguinte, na situação de viuvez as alternativas são formuladas à posteriori forçando decisões para que o/a viúvo/a permaneça ou não sozinho/a. A viuvez não é uma situação voluntária, deriva da própria natureza, por isso é inquestionável, apenas podemos reorganizar-nos e construir uma nova quimera. A viuvez na velhice pode equivaler ao entreabrir a porta de um caminho escuro e pedregoso.
As lamentações, após o advento da viuvez, apenas servem para amenizar a nossa situação psicológica porque o importante é o que se segue no dia seguinte, o que passou é passado, na certeza de que o tempo não volta atrás.
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