Se existe um facto que esta pandemia veio trazer para a ordem do dia de todos os especialistas, seja na área da saúde ou em qualquer outra área, é o modo como os portugueses se relacionam com a internet, como pesquisam e o que pesquisam. Com a pandemia do SARS-COV-2, os portugueses passaram a pesquisar muito mais sobre questões de saúde, sejam estas ou não relacionadas com a pandemia. A saúde e o bem-estar passaram a ser o cerne das nossas preocupações quotidianas.
A utilização da internet, mais que um elemento necessário à emancipação e empowerment dos cidadãos, tornou-se num meio tecnológico vital para a procura de informação por parte da generalidade das pessoas, para além de ser atualmente um instrumento de trabalho de educação e de relação interpessoal. Sobretudo em questões relacionadas com a saúde e o bem-estar, este recurso digital tem permitido a reconfiguração de diversas aprendizagens em saúde, assim como, de rápidas alterações nos modos de relação com os clínicos, sejam eles enfermeiros ou médicos.
O século XXI é o século da transição digital. Naturalmente que quando falamos de transição digital estamos também a falar de retirar da invisibilidade social um conjunto de desigualdades sociais. Desde logo, sabemos que os mais escolarizados e os mais jovens têm uma maior apetência para a utilização dos meios de comunicação e informação digitais, assim como, para conseguir discernir melhor a informação validada cientificamente, daquela que é apenas produto do sensacionalismo e da reprodução menos correta de temas relacionados com saúde e bem-estar. Com os confinamentos decretados como modo de contenção da pandemia, emergiram do anonimato grupos de excluídos sociais. É claro que me refiro aos mais velhos, cuja relação com os meios digitais é mais limitada e aos mais pobres que apesar de poderem ter competências informáticas, a sua condição social e económica não lhes permite ter acesso aos equipamentos informáticos ou de comunicação necessários, nem o acesso às redes de comunicação considerando os custos associados aos serviços de fornecimento de internet. Milhares de pessoas excluídas tecnologicamente tornaram-se visíveis, colocando em causa princípios como o da igualdade do acesso ao ensino ou ao trabalho, em parte por incapacidade governamental em dotar estes cidadãos desses meios, tal como tinha prometido em março de 2020.
Se foi um problema de saúde global que acelerou esta transição digital que afetará todas ou quase todas as dimensões das nossas vidas, direta ou indiretamente, naturalmente que a nossa relação com a saúde e as questões de saúde não são imunes a esta transição. A transição digital chegou para ficar, exigindo de cada cidadão uma postura mais ativa.
Com esta pandemia, esta complexidade de saberes tecnológicos e relações com a informação sobre saúde, passaram a estar na ordem do dia convocando o Governo a tomar medidas mais ativas no sentido da inclusão digital e literacia digital, pois sabemos ser inquestionável o papel das tecnologias de informação e comunicação na produção e acesso à informação. Atualmente, mais que sempre a teorização de Castells sobre a Sociedade em Rede faz sentido, estando nós a ser participantes e espetadores desta revolução digital, que será também, económica, social, laboral, ambiental, de mobilidade, de ensino e aprendizagem, ou seja, uma revolução que terá ramificações e impactos em todas as dimensões das nossas vidas. Também na saúde esta mudança gerará novos modos de relação entre os cidadãos e os profissionais de saúde, alterando a relação de poderes dos papéis tradicionalmente atribuídos ao paciente e ao médico.
Vivemos tempos de mudança acelerada de paradigma que serão portadores de grandes vantagens sociais para os cidadãos, consoante a sua posição social e económica. É certo que o mundo que está a emergir desta pandemia será crescentemente diferente do anterior, cabendo aos poderes públicos e aos cidadãos, reduzir desigualdades e gerar oportunidades.
*Rui Brito Fonseca –Presidente e Professor Coordenador no Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro, em Penafiel (desde 2019). Professor adjunto no Instituto Superior de Ciências Educativas, em Odivelas (desde 2010). Doutorado em Sociologia e Mestre em Ciências do Trabalho, pelo ISCTE-IUL. É também licenciado em Ciência Política com especialização em Relações Internacionais, pela Universidade Lusófona. É desde 2000 investigador, tendo vindo a desenvolver trabalho sobre comunicação, media e compreensão pública da ciência, sobre tecnologias da informação e comunicação em saúde e sobre toxicodependências, em diversos projetos de investigação.