O avião estava quase a tocar no chão quando lhe ouvi a força a renascer nos motores. Demos mais uma volta de dez minutos até à tentativa seguinte. Não faço ideia porquê, nem me interessa. Há momentos em que a ignorância é uma bênção. De qualquer forma não me perdi em grandes considerações nem preocupações: tinha o computador aberto e estava em pleno processo criativo.
“A pior das prisões é a falta de criatividade!”
Lembrei-me desta citação do Eric e sorri (em plena aterragem desagradável) perante a constatação da sorte de uma existência inspirada.
Um pouco mais tarde, num bar, reclamei com amigos para pararem de fazer chegar mais bebida: tinha planeado escrever outro capítulo esta manhã e chegar ao Algarve a tempo de ir apanhar ondas ainda antes de almoço.
– Mas, Ana, como é que consegues decidir assim “mais um capítulo” e escrevê-lo quando entendes?
Dei-lhe uma qualquer explicação racional enquanto me perguntava como é que se explica a um cientista que a pior das prisões é a falta de criatividade…
“Ok, agora é que entendi: tu não és real! Andaste nos copos até às tantas e já estás a ir para baixo??, comentou a Sara no chat, ainda o Sol ia baixo.
E foi só ali, na estação do Oriente, às oito da manhã, enquanto esperava o comboio, que a epifania se deu. Não sei como os outros vivem, nem é da minha conta. Apenas sei que não me importa o tipo de aterragem, a quantidade de copos ou a escassez de descanso: enquanto a criatividade brotar, vivo fora dos grilhões da monstruosa normalidade.