A tensão entre o Estado e os operadores económicos relativamente à tributação que aquele impõe a estes é uma característica intrínseca ao funcionamento das sociedades, pelo que não é surpreendente assistir a sistemáticos pedidos das empresas por reduções de carga fiscal. Por outro lado, os Estados enfrentam sempre um problema difícil quando definem as cargas fiscais e a sua distribuição pelos diferentes agentes económicos, uma vez que as inúmeras especificidades de cada sector tornam por vezes extremamente complexos os modelos fiscais, que por sua vez os tornam menos transparentes e mais difíceis de aceitar e entender pela sociedade.
“As empresas e os empresários do sector do alojamento e da restauração estão disponíveis para assumir o compromisso de aumentar as remunerações e os salários dos seus colaboradores na exata medida das reduções de carga fiscal que o Estado esteja disponível para assumir (…) mas não conseguem fazê-lo de forma sustentável e sem resultar no encerramento de inúmeras empresas, se o Estado não criar condições que o permitam”
Surgem assim regras fiscais relativamente transversais, que acabam inevitavelmente por penalizar determinados sectores de atividade face a outros. Sendo provavelmente algo que não pode ser evitado, poderá tentar ser minimizado.
O objetivo deste texto consiste em apontar algumas características e especificidades do sector do turismo que, na opinião do sector, merecem ser tidas em consideração na eventual definição das regras fiscais aplicáveis, de modo a tornar a economia nacional mais resiliente e competitiva.
Em concreto, abordam-se dois aspetos especialmente relevantes na atividade do setor:
- A necessidade de conseguir pagar melhores remunerações aos trabalhadores do sector
- A necessidade de promover o aumento de escala dos operadores, especialmente no subsector da hotelaria
Dentro destes dois aspetos, apresenta-se a sugestão de reduzir a tributação sobre o fator trabalho no sector, e de estimular os movimentos de consolidação na hotelaria através da isenção de IMT nas transferências de propriedade de imóveis utilizados como hotéis.
Redução da tributação sobre o fator trabalho
A necessidade de aumentar as remunerações do trabalho é uma prioridade nacional e tem sido muito enfatizada pelo poder político como sendo um dos principais objetivos a atingir. Nesse contexto, o Governo tem-se desdobrado em apelos e declarações, sublinhando o desejo e a importância de ter as empresas a promover aumentos salariais como forma de estimular o crescimento económico e de tornar mais justa a distribuição de rendimentos.
Obviamente, a implementação destes aumentos não pode resultar apenas de desejos ou de ambições expressas pelo poder político, nem mesmo da vontade dos operadores económicos. No final do dia, as empresas apenas podem pagar em linha com a sua rentabilidade económica.
O sector do alojamento e da restauração em Portugal apresenta uma das mais baixas remunerações médias do fator trabalho. No entanto, as rentabilidades deste sector económico também apresentam valores bastante baixos, como se observa no quadro seguinte.
Analisando os números no quadro acima, facilmente se conclui que:
- Os gastos de pessoal por trabalhador no sector de alojamento e restauração (cerca de 10.5 milhares de euros por ano, pouco mais do que o salário mínimo nacional) são claramente mais baixos do que em todos os restantes sectores de atividade, com exceção da agricultura, representando metade ou mesmo um terço do valor de outros sectores de atividade
- O volume de negócios por trabalhador (um pouco menos de 42 mil euros por ano) também é mais baixo do que nos restantes sectores de atividade
- O volume de negócios por empresa (108 mil euros por ano) é extremamente baixo, refletindo a natureza muito pulverizada do sector, com inúmeras microempresas e reduzidas economias de escala
- Também o lucro gerado por trabalhador (cerca de 4.3 milhares de euros por ano) é mais baixo do que nos restantes sectores de atividade
Estes números evidenciam que, apesar de os gastos de pessoal serem efetivamente muito baixos, e de existir um efetivo desejo de os aumentar por parte das empresas no sector, não existem condições económicas que o permitam, mesmo num contexto de excelentes anos para o sector do turismo. Se, por exemplo, o sector aumentasse a remuneração do seu pessoal de modo a torná-la igual à do sector da construção (15.8 milhares de euros por ano, ainda um valor modesto), o impacto seria tornar o sector claramente deficitário, passando a registar prejuízos de mais de mil euros por trabalhador, resultando no encerramento de inúmeras empresas e a consequente perda de postos de trabalho.
Estes números evidenciam e justificam o que tem sido uma permanente reivindicação do sector, nomeadamente a redução da carga fiscal associada ao fator trabalho. As empresas desejam e ambicionam poder pagar mais aos seus colaboradores, permitindo assim lidar com o que é um enorme problema para o sector que é a atração e manutenção de pessoas. Os gastos com formação e treino desse pessoal são significativos, e uma grande rotação nos seus quadros de pessoal resultam na permanente necessidade de voltar a formar novos trabalhadores para prestarem serviços com os padrões de qualidade desejáveis, e uma maior estabilidade nos quadros de pessoal permitiria reduzir este esforço permanente das empresas.
Mas as empresas do sector não conseguem suportar o pagamento de remunerações mais elevadas, pois a atividade não liberta margem para tal. Para conseguir esse resultado de aumentar as remunerações do sector e os rendimentos dos trabalhadores, as empresas necessitam que o Estado promova um alívio da tributação sobre o fator trabalho, neste sector.
As empresas e os empresários do sector do alojamento e da restauração estão disponíveis para assumir o compromisso de aumentar as remunerações e os salários dos seus colaboradores na exata medida das reduções de carga fiscal que o Estado esteja disponível para assumir, transferindo para os trabalhadores a totalidade da redução dessa carga fiscal, mas não conseguem fazê-lo de forma sustentável e sem resultar no encerramento de inúmeras empresas, se o Estado não criar condições que o permitam.