O corpo democrático, de vez em quando, tem de marcar consulta médica para ser auscultado. Os exames fazemo-los nós, o povo que escrutina, sob pena de o deixar adoecer. Ora, uma patologia que corroa a nossa democracia internamente pode ser fatal, como vemos nos registos históricos: já houve vermes que a mataram e instauraram ditaduras.
O estetoscópio ouve os sons internos do corpo democrático, auxiliando no diagnóstico. Não se fica pelo sistema cardiovascular, o coração da democracia – que é o que se costuma chamar à Assembleia da República – observando ainda o sistema respiratório, o Governo, e o gastrointestinal (o segundo cérebro do corpo), que eu atribuo às autarquias. Quando vêm os resultados dos exames, é atribuído a cada corpo democrático um lugar no índice de perceção de corrupção, de desenvolvimento humano, de desigualdade de género, da democracia e da paz global.
Para mim, uma entre os tantos escrutinadores da saúde democrática, o melhor meio para a avaliar é a nível local: os esquemas passam mais despercebidos, há menos olhos interessados para os ver, e quando descobertos, não têm tanto palco nos jornais televisivos.
Ora, o escrutínio a nível local fica dormente até se aproximarem as eleições autárquicas, quando dispara da pior forma: começam os perfis falsos criados pelas oposições partidárias, a desinformação, e as publicações em massa desesperadas para encontrar uma falha que retire votos à concorrência. Faro não é exceção. A deselegância com que os socialistas têm operado esta campanha – já mencionava na minha última crónica publicada pelo Postal – é desprezível de assistir. A opção pela tentativa de boicote, em vez da promoção das suas virtudes pessoais, desanima qualquer jovem que, como eu, esteja de olhos postos nas próximas eleições. Invadem os grupos nas redes sociais, de forma anónima, a ofender quem não faz parte do grupo deles – não poupando a condescendência às juventudes partidárias, o que os devia envergonhar ainda mais.
Assistimos esta semana a uma situação singular. O candidato à Câmara de Faro e atual Presidente da Câmara de Olhão, António Miguel Pina, disse, publicamente, na inauguração do Festival do Marisco em Olhão, que aquele seria o seu último ato público enquanto Presidente. Ora, o abdicar do mandato implicaria que o número dois, Elsa Parreira, assumisse funções.
Neste seguimento e após se tornar pública a informação de que a vereadora, juntamente com o vereador João Evaristo, integrariam uma lista de candidatura independente às próximas eleições, Pina decidiu revogar os pelouros que lhes estavam atribuídos, passando à sua responsabilidade direta, num ato final de vingança. A sua equipa virou-lhe as costas. Sabendo o quão difícil é assegurar uma campanha eleitoral numa cidade diferente daquela em que exerce o seu cargo, o Presidente da Câmara Olhanense prefere boicotar a recente oposição.
A prioridade nunca será a promoção das suas virtudes pessoais, afinal que virtude é esta que opta pela hostilidade? Que Presidente seria este que, ansiosamente, assegura a retaliação a um dos membros que integrou a sua equipa, abdicando do foco da campanha na cidade que se propõe liderar?
Hoje, auscultamos todos, o corpo democrático no Governo local Olhanense e cada um fará o seu diagnóstico. É este o Presidente indicado à Câmara de Faro?
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