Sem punhos de renda, o Marquês de Pombal não poupou nas palavras. Falou alto e grosso num tom que soou por toda a Europa em guerra. E não haverá no registo da história da chancelaria portuguesa, palavras tão pouco diplomáticas:
“Há tempos em que nas monarquias um só homem pode muito (…) fazei, portanto, o que deveis, se não quereis que eu faça o que posso”. Escreveu o conde de Oeiras, em tom ameaçador, ao governo de Sua Majestade britânica.
Palavras duras para se ter com um amigo. Mas as circunstâncias não deixavam outra saída. O primeiro ministro português estava entre a espada e a parede. Entre a justa indignação dos franceses e a arrogante insolência dos ingleses.
Tudo começara em agosto de 1759 quando uma frota britânica perseguiu e bombardeou quatro navios franceses que se haviam acolhido às praias de Almádena e do Zavial, na zona de Salema, entre Sagres e Lagos. A expedição gaulesa julgava-se protegida pelo estatuto de neutralidade de Portugal na guerra dos sete anos. Mas enganou-se. Os ingleses, senhores dos mares e do mundo, não estiveram com meias medidas. Fizeram tábua rasa das leis internacionais e abrasaram os navios de Luís XV.
Justamente indignado, o governo francês multiplicou-se em protestos internacionais exigindo um pedido formal de desculpas e uma reparação material pelos prejuízos causados, bem como a restituição dos barcos apresados. E Portugal, como país neutral e palco dos acontecimentos, não podia fugir às suas responsabilidades, devendo forçar os seus aliados a fazerem o que lhes era devido fazer.
E para que os súbditos de Sua Majestade não ficassem com dúvidas, o conde de Oeiras avisou: “Eu fiz romper vivo o duque de Aveiro (Távoras) por ter atentado contra a vida do rei, e poderei muito bem fazer enforcar um dos vossos capitães por ter roubado a sua efígie em desprezo pela lei”.
Tudo começou no quadro da guerra dos sete anos, e a batalha de Lagos surge como um episódio marginal na tentativa de Luís XV de invadir a Inglaterra num conflito que se estendeu pela Europa, África e América onde se disputavam as possessões coloniais de cada um dos beligerantes: Inglaterra, França, Espanha e os seus correspondentes e ocasionais aliados.
Partindo de duas bases operacionais, a França procuraria surpreender os britânicos no seu próprio território. Uma frota de 21 navios de guerra da sua esquadra atlântica de Brest largaria a norte, e outra armada de 12 navios sairia da base mediterrânica de Toulon, a sul, sob o comando do almirante De la Clue.
Este, a 17 de agosto, rompeu o bloqueio dos ingleses em Gibraltar, mas foi perseguido pelas embarcações do almirante Edward Boscawen. No dia seguinte, alcançados, cinco navios franceses conseguiram refugiar-se no porto de Cádiz, dois fugiram, um foi capturado e os restantes quatro procuraram as águas protegidas ao abrigo do princípio da neutralidade declarada por Portugal na guerra. Se destes quatro, em mar português, os dois primeiros – o Téméraire e o Modeste foram aprisionados -, o Redoutable, encalhado na praia do Zavial, e l’Ocean na praia de Almádena, não resistiram ao fogo dos navios ingleses, naquela que ficaria conhecida como a batalha de Lagos.
L’Ocean, apesar dos seus 80 canhões e os 801 elementos da sua tripulação, foi afundado. Salvou-se, contudo, a maior parte dos seus homens embora o almirante De la Clue tivesse saído gravemente ferido atingido nas duas pernas. Ele que se julgava em águas seguras de um país neutral.
E foi essa violação da “sagrada” neutralidade das águas portuguesas que tanto parece ter indignado o governo de Pombal, abrindo uma guerra diplomática entre os três países que ainda não tinham saído de sarilhos maiores.
O cônsul inglês em Faro, Thomas Lampiere, com o primeiro relatório dos acontecimentos em mão, fá-los chegar prontamente ao embaixador em Lisboa, Edward Hay, que por sua vez segue os canais diplomáticos normais comunicando ao governo de Londres o sucesso da batalha.
No meio de ações de espionagem e contra espionagem, a correspondência sobre as movimentações de cada um dos beligerantes, tinha tudo menos de confidencial. Todos sabiam das cartas uns dos outros. E tinham acesso ao seu conteúdo.
Os franceses não abandonavam a sua posição de firme indignação e protesto, exigindo a reparação material e a restituição dos navios aprisionados. Os ingleses, sonsos, desdobrando-se em desculpas e despudorado cinismo, lá iam avançando a tese de que a violação da neutralidade portuguesa por parte do seu almirante Boscawen se ficara a dever apenas ao “calor da batalha”. E para que não restassem quaisquer dúvidas avisavam: “em circunstâncias algumas permitirá o governo de Sua Majestade qualquer espécie de repreensão a Boscawen ou restituirá qualquer navio perdido pelos franceses”. Admitia, condescendente, que o rei Jorge II estaria disposto a enviar uma missão extraordinária a Lisboa para apresentação de desculpas e justificações formais. O que veio a acontecer.
Nessa condição, a 21 de março, Lord Kinnoul, embaixador extraordinário da Grã Bretanha é recebido pelo rei D. José em audiência pública. No fundo, o diplomata veio a Lisboa “amansar a fera” ou fingir perante a comunidade internacional, designadamente a França, que tudo não passara de um episódio infeliz que ninguém verdadeiramente desejara.
Quem não parecia estar pelos ajustes revelando já forte impaciência, era o governo francês. E uma vez que Portugal não se demarcava da ofensa inglesa, ameaçou apoiar uma invasão espanhola, não apenas no continente português como no Brasil.
O assunto, que colocou Portugal em estado de alerta, fez subir a tensão entre as partes, mas acabou por morrer com o tempo, por maior que tivesse sido a pressão francesa.
Ainda hoje se discute se a carta confidencial que o marquês tornou pública, lavrando o seu protesto de justa indignação, constituiu somente uma enorme encenação para “inglês ver” ou foi um expediente concertado para iludir os franceses.
De qualquer modo, trata-se de um libelo acusatório violento, numa afirmação de soberania para “que Portugal faça ver a toda Europa que tem sacudido o jugo de uma dominação estrangeira (…) e Portugal não pode provar isto melhor que obrigando o vosso governo a dar-lhe uma satisfação. A França olharia para Portugal como para um estado em fraqueza”.
A carta é ao mesmo tempo um desafio e uma provocação: “Vós não fazieis ainda figura alguma na Europa, quando a nossa potência era a mais respeitável. A vossa ilha não formava mais do que um ponto na carta ao mesmo tempo que Portugal a enchia com o seu nome. Nós dominávamos a Ásia, África e América, quando vós domináveis somente em uma ilha da Europa”.
No documento, Pombal recorda como a grandeza de Inglaterra se ficou a dever a Portugal, com o ouro do Brasil do qual “não fica em Portugal uma só peça de oiro; e (com as importações dos têxteis), nós damos do que viver a quinhentos mil vassalos do rei Jorge, população esta que subsiste à nossa custa”.
E prossegue: “Mas se vos temos elevado a esse ponto de grandeza, na nossa mão está o precipitar-vos no nada de que vos arrancámos. Nós podemos melhor passar sem vós, do que vós sem nós (…) há muito tempo que a França nos estende os braços para que recebamos as suas manufaturas de lã. Na nossa mão está aceitarmos as suas ofertas, o que sem dúvida aniquilará as vossas”.
E após outras considerações veementes, concluiu: “Eu fiz romper ao vivo o conde de Aveiro e poderei muito bem fazer enforcar um dos vossos capitães. Fazei, portanto, o que deveis, se não quereis que eu faça o que posso”.
Fontes: “Fahreneit 1759”, Jean Yves Blot e Mª Luisa Blot; Grupo de facebook “A Torre do Tombo e a História”, Alexandre Monteiro; outras