Apesar de se usar a expressão “ocupar um carro” no dia a dia, a verdade é que a lei portuguesa não reconhece este conceito para veículos. O Código Penal só aplica o crime de usurpação a imóveis, e nada disso se estende a automóveis. Ainda assim, entrar num carro alheio sem autorização pode configurar vários crimes, e há situações em que o próprio veículo pode ser tratado como domicílio, com regras completamente diferentes.
O Código Penal português não prevê a “ocupação” de viaturas. O crime de usurpação (artigo 215.º) exige que se trate de uma “coisa imóvel”, como casas ou terrenos, e normalmente envolve violência ou ameaça grave.
Um automóvel é um bem móvel e, por isso, está fora deste enquadramento legal.
Que crimes podem existir num carro?
Se alguém ‘ocupar’ um carro sem autorização, não fica impune. Em função do que fizer, pode estar em causa a introdução em lugar vedado ao público (artigo 191.º), se o veículo estiver fechado.
Pode também verificar-se furto de uso de veículo (artigo 208.º), furto simples (artigo 203.º), roubo (210.º) ou dano (212.º), caso cause estragos.
A atuação da polícia e os limites legais
Como um carro não é, em regra, domicílio, a entrada das autoridades no veículo segue o regime de busca previsto nos artigos 174.º e 176.º do Código de Processo Penal.
Nestes casos, a busca pode ser ordenada pelo Ministério Público ou realizada pela polícia em situação de flagrante delito ou urgência. A intervenção é imediata quando há suspeita clara de crime no momento.
Quando o veículo é considerado domicílio
A situação muda radicalmente quando o veículo é utilizado como habitação. O Tribunal Constitucional admite um conceito amplo de domicílio, que pode incluir habitações precárias e residências temporárias, como roulottes ou quartos de hotel.
Numa autocaravana usada como casa, a proteção aplicada é a mesma que vigora para uma habitação tradicional, e não a de ocupar um carro.
Exceções e critérios relevantes
Se o veículo for apenas um espaço de trabalho, como o caso de um camião de longo curso, não é tratado como domicílio.
Por outro lado, se for o local onde a pessoa vive e desenvolve a sua vida privada, a proteção constitucional aplica-se. Nestes casos, a polícia não pode entrar livremente e precisa, regra geral, de autorização judicial.
Quando é necessária autorização do juiz
Se o veículo for de facto domicílio, a entrada ou busca deve respeitar o regime das buscas domiciliárias previsto no artigo 177.º do CPP. A Constituição reforça esta proteção através do artigo 34.º, que garante a inviolabilidade da habitação.
A polícia só pode atuar sem despacho judicial nas exceções legais expressamente previstas.
O que deve fazer o proprietário
Quem encontra sinais de permanência indevida, mantas, objetos, lixo, nunca deve tentar resolver a situação sozinho. O mais seguro é contactar o 112, apresentar prova de propriedade e registar os danos.
A queixa deve ser formalizada, podendo até ser apresentada através do serviço online de queixa eletrónica quando aplicável.
Uma realidade pouco frequente, mas possível
Apesar de rara, a utilização de carros como abrigo improvisado acontece sobretudo em veículos deixados muito tempo estacionados.
A lei distingue claramente entre uso ilegítimo de veículos e usurpação de imóveis, prevendo uma resposta mais rápida por parte das autoridades nos primeiros casos.
No entanto, quando o veículo é usado como casa, aplica-se a tutela reforçada do domicílio, com todas as regras e proteções associadas.
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