Antes demais, perdoe-me o leitor, se for demasiado agressivo no meu texto… ou demasiado brando (depende do ponto de vista). Pois sei que os decisores políticos vão sentir que os estou a “atacar” de alguma forma. Os visados (as pessoas com deficiência) vão sentir que não usei ataques suficientes. E a sociedade civil, muito provavelmente vai estar mais preocupada com erros ortográficos e títulos sensacionalistas. Sabemos todos repetir que os direitos das pessoas com deficiência estão consagrados na lei. Que a União Europeia assinou isto, que Portugal ratificou aquilo, que há planos estratégicos com nomes bonitos e datas até 2030. E sim, no papel, parece que está tudo certo. Mas pergunto: quando saímos do papel e pisamos o chão, especialmente o chão do Algarve, onde é que estão esses direitos?
Porque a verdade é esta: viver com deficiência no Algarve não é a mesma coisa que viver com deficiência em Lisboa ou no Porto. E não é só pela geografia. É pelo silêncio. Pela ausência. Pela sensação constante de que esta parte do país, tão apetecida para férias, continua fora do radar quando se fala de políticas públicas sérias e estruturadas de inclusão. Estamos numa região que sabe receber turistas, mas que ainda não sabe, de forma consistente, receber todos os seus próprios habitantes. Quando falamos de crianças e jovens com deficiência, o cenário torna-se ainda mais delicado. Não faltam relatos — reais, concretos, de quem vive isto todos os dias — de alunos que são deslocados quilómetros para encontrar uma escola com recursos. Ou pior: que ficam numa escola sem os apoios mínimos, porque “é o que há”.
Há professores que tentam fazer milagres sem formação.
Há Famílias que vivem num eterno pingue-pongue entre serviços de saúde, juntas médicas e respostas que procuram.
Há instituições sem conhecimentos nem fundo para criar a resposta que as famílias querem (nem sempre querem o que precisam)
Há respostas sociais lotadas que nunca chegam e quando chegam, não vêm a tempo.
E, há uma comunidade que, por falta de informação e contacto directo, ainda olha para a deficiência com desconforto, medo ou, pior, pena.
Se a União Europeia nos diz que todos têm direito à educação inclusiva, à participação plena na sociedade, ao acesso à cultura e ao emprego digno, porque é que esses direitos parecem perder o sinal de GPS quando descem ao sul? É simples: porque ainda se continua a investir de forma desigual. Porque se continua a tratar o Algarve como uma zona de lazer, não de cidadania. E porque a deficiência, sejamos honestos, continua a ser um tema desconfortável para muitos — e ainda mais incómodo quando envolve exigir mudança.
O que falta no Algarve não é vontade. Há associações a fazerem verdadeiros milagres com poucos meios. Há técnicos a dar o litro. Há famílias exaustas mas resilientes. O que falta é reconhecimento institucional. Planeamento. Orientação. Ações que tenham em conta a realidade específica desta região — que, sim, tem praias lindas, mas também tem isolamento, transportes precários e um tecido social que precisa de ser educado e envolvido. Não basta fazer leis em Lisboa e esperar que elas se cumpram em Monchique ou Alcoutim como por magia. É preciso vir cá. Ouvir. Construir com quem está no terreno. É preciso dar voz às famílias, aos cuidadores, aos jovens que ainda esperam ser vistos como cidadãos plenos.
E Agora?
Agora, precisamos de deixar de tratar a inclusão como um favor. É um direito. E quem governa — a nível local, nacional ou europeu — tem o dever de o garantir. O Algarve merece mais do que campanhas sazonais e projetos-piloto que nunca chegam. E que quando chegam, são para as cidades e não para os concelhos. Merece uma estratégia clara, contínua, e feita com quem cá vive. E merece também que se fale disto com frontalidade.
Porque não é aceitável que, em 2025, continuemos a medir a qualidade de vida de uma pessoa com deficiência pelo código postal onde nasceu. A inclusão não pode ser um privilégio das grandes cidades. Ou é para todos, ou não é nada.
Sobre o autor do artigo: Nuno Miguel Neto é arquiteto de formação, mas tem dedicado a sua carreira ao impacto social, com enfoque na inclusão e nos direitos das pessoas com deficiência. Desde 2012, colabora com a APEXA – Associação de Apoio à Pessoa Excecional do Algarve –, liderando e apoiando projetos nas áreas da reabilitação, educação, capacitação e sensibilização comunitária. A sua abordagem combina pensamento estratégico com intervenção local, procurando sempre criar soluções que tenham um impacto real na vida das pessoas. Tem desenvolvido relatórios de impacto, coordenado iniciativas culturais inclusivas e promovido a participação cívica de grupos historicamente marginalizados. Acredita numa sociedade onde a diferença é reconhecida como valor e não como obstáculo. O seu trabalho reflete um compromisso constante com a justiça, a dignidade e a ação transformadora. Como hobbie principal surge o ilusionismo que aliado à área da inovação social dá origem ao projeto Magia com Impacto.

“40 Visões da Europa”
A 12 de junho de 1985, Espanha e Portugal assinaram o Tratado de Adesão às então Comunidades Europeias (Comunidade Económica Europeia, Comunidade Europeia da Energia Atómica e Comunidade Europeia do Carvão e do Aço). Este foi o terceiro alargamento.
O Europe Direct Algarve, a CCDR Algarve, a Eurocidade do Guadiana e outros parceiros transfronteiriços associaram-se para assinalar a data. A rubrica «40 Visões da Europa» vai dar voz a 40 pessoas (líderes políticos e associativos, jovens, cidadãos ,..)
Entre 4 de maio e 12 de junho (data da assinatura dos 40 anos do Tratado de Adesão) todos os dias um artigo . Mais informação sobre a campanha na página conjunta (4) Facebook
Leia também: Europa: oportunidade, desenvolvimento e futuro | Por Bruno Miguel Alves

O Europe Direct Algarve faz parte da Rede de Centros Europe Direct da Comissão Europeia. No Algarve está hospedado na CCDR Algarve – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.
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