Foi bonita a festa, pá! Com essas palavras, Chico Buarque, um brasileiro apaixonado por Portugal começou uma das suas mais belas canções, que celebrava o 25 de Abril.
25 de Abril que apaixonou e inundou de esperanças não só portugueses mas também brasileiros, que ainda viviam numa ditadura que iria perdurar por mais 10 anos, e sentiram no 25 de Abril uma lufada de ar fresco.
Mas em 1978, quando finalmente a música foi autorizada pela Censura, Chico Buarque sentiu a necessidade de alterar um pouco a letra, e acrescentou o verso “Já murcharam sua festa, pá!”
Chico já via, em 1978, as forças que resistiam a Abril e combatiam as suas conquistas.
Abril trouxe a liberdade! E trouxe também o acesso universal à educação e à saúde, que permitiu transformar um país com mais de 25% de analfabetismo e uma das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo em uma sociedade onde os portugueses têm acesso a uma educação de qualidade e à saúde, permitiu o fim do colonialismo, criou direitos trabalhistas, avançou na igualdade de género … e acabou com anacronismos que hoje, visto pelos olhos de quem nasceu após 1974, até parecem patéticos.
Mas hoje, passados 50 anos, constatamos que ainda não alcançamos, na plenitude, os objetivos de Abril… ainda vivemos com salários baixos e empregos precários, muitos não conseguem uma habitação digna e o SNS sofre em consequência de políticas equivocadas. Ainda utilizando a poesia, “Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação”
Talvez por isso, 50 anos depois de Abril sejamos confrontados com a presença na Assembleia da República, e um pouco por todo lado, com pessoas que defendem o antigamente, … que rejeitam Abril.
Mas nós não devemos sentir ressentimento em relação a quem os colocou lá.
Se lá estão, devemos olhar para nós próprios e perguntar se, efetivamente, estivemos a altura de quem, há 50 anos ousou, sonhou e nos deu a Liberdade.
A fome é inimiga da paz; o desespero é inimigo da democracia; o medo é inimigo da liberdade.
É preciso refletir e construir ações que sejam coerentes com os nossos discursos e executar políticas realmente revolucionárias, que permitam a satisfação das necessidades de um novo Portugal, de uma juventude mais exigente e menos subserviente, que, embora não tenha vivenciado as privações que existiam antes de 1974, possuem os seus próprios objetivos e sonhos… é preciso dar respostas concretas as necessidades das pessoas.
Chico Buarque também dizia “Mas certamente esqueceram uma semente nalgum canto de jardim!”
É essa semente que temos que cuidar, semear e multiplicar.
Não podemos ver Abril como um acontecimento que ocorreu há 50 anos atrás, mas sim como um processo que começou há 50 anos, … que deve continuar em cada um de nós. Para podermos construir um país onde exista uma verdadeira justiça social. Eu não desejo um país onde sejamos todos iguais, mas um país onde possamos ser diferentes mas plenamente respeitados nas nossas diferenças, garantindo que todos, nas suas mais variantes diferenças, tenham as mesmas oportunidades.
E se usei da música e da poesia para falar de Abril, concluo com versos de Jorge Palma, que devem sintetizar a nossa força para garantir que os sonhos e esperanças de Abril não acabaram.
“Enquanto houver estrada pra andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada pra andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar”
Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
Leia também: A madrugada que eu esperava | O Algarve e o 25 de Abril – 50 Anos | Por Idalécio Soares