Uma decisão judicial em Espanha voltou a colocar sob foco os limites da confiança no local de trabalho e o uso de videovigilância em contexto laboral. O caso envolve uma trabalhadora da Mercadona despedida e que levou o assunto a tribunal, depois de não ter cobrado vários produtos a uma colega na linha de caixa.
O Tribunal Superior de Justiça de La Rioja confirmou como procedente o despedimento, validando a decisão tomada pela empresa após uma investigação interna. De acordo com a sentença, os factos constituem transgressão grave da boa-fé contratual e abuso de confiança, fundamentos que, no entender dos juízes, justificam a cessação do vínculo sem indemnização, noticia o jornal espanhol Notícias Trabajo.
Videovigilância e perdas de inventário
A cadeia de supermercados instalou câmaras no estabelecimento depois de detetar alterações no stock e inconsistências de inventário. As imagens permitiram verificar que, a 10 de novembro de 2012, a empregada atendeu uma colega fora de serviço e deixou de cobrar umas bolachas, um pacote de pastilhas, o próprio saco da compra e um artigo registado como biquerões que, na realidade, eram gambas. A trabalhadora reconheceu os factos.
A empresa comunicou o despedimento a 10 de janeiro de 2013, invocando falta muito grave ao abrigo do artigo 54.2.d) do Estatuto dos Trabalhadores e do seu contrato coletivo. Antes disso, a empregada assinara um acordo em que declarava não intentar ações legais, subscrito perante representantes da empresa e do comité intercentros, refere a mesma fonte.
Primeira instância rejeitou a impugnação
Apesar do compromisso assumido, a trabalhadora avançou com ação judicial pedindo a nulidade ou improcedência do despedimento. O Juzgado de lo Social n.º 2 de Logroño, na sentença 292/2013, julgou a pretensão improcedente, considerando provados os factos e proporcional a sanção aplicada.
O tribunal de primeira instância entendeu também que a utilização das câmaras foi justificada, limitada no tempo e no espaço e precedida de indícios concretos de perdas, não violando direitos fundamentais. Sublinhou ainda a existência de normas internas expressas sobre passagem de artigos e cobrança a clientes, conta ainda o jornal espanhol.
TSJ confirma a decisão e afasta vícios de consentimento
Inconformada, a trabalhadora recorreu em suplicação. O Tribunal Superior de Justiça (TSJ) de La Rioja, na sentença 235/2013 de 12 de dezembro, manteve a decisão, concluindo que não houve intimidação nem falta de consentimento no acordo inicialmente assinado e que a conduta foi grave e culposa.
Para o TSJ, o contexto de perdas detetadas e a investigação interna justificaram a videovigilância, cujo uso se limitou à finalidade de esclarecer irregularidades. Assim, a decisão de despedimento manteve-se válida, sem direito a indemnização nem salários de tramitação.
Funções, antiguidade e política disciplinar
A trabalhadora integrava os quadros desde março de 2004, com a categoria de gerente A e retribuição mensal bruta de 1.674,58 euros. A empresa invocou a sua política de tolerância zero perante condutas que afetem a confiança e o património, aplicada de forma consistente em casos de notória quebra da boa-fé.
O tribunal destacou que a passagem de produtos sem cobrança integral, em benefício de terceiros, viola deveres básicos de lealdade, independentemente do valor económico imediato dos artigos em causa, atendendo ao impacto cumulativo na gestão do stock.
Com a confirmação em segunda instância, o litígio ficou encerrado sem reintegração nem compensação, consolidando a posição da empresa. Em síntese, a decisão reafirma que, em casos como este, a condição de trabalhadora da Mercadona despedida por factos captados em videovigilância e posteriormente apreciados em tribunal pode conduzir à manutenção do despedimento.
O acórdão sustenta ainda que o acordo extrajudicial livremente firmado não estava viciado, reforçando que a autonomia de vontade da trabalhadora foi respeitada. Para o TSJ, a sequência de atos e a prova recolhida sustentaram a proporcionalidade da medida disciplinar aplicada.
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