Um trabalhador espanhol com quase três décadas de antiguidade viu a sua carreira interrompida de forma abrupta. Foi despedido após acusações de consumo de álcool durante o horário laboral, mas o caso não terminou aí. O tribunal avaliou as circunstâncias e acabou por contrariar a decisão da empresa.
A história começou em setembro de 2021, quando o funcionário recebeu uma carta de despedimento disciplinar. Nela, a entidade patronal falava em “consumo desmesurado e reiterado de grandes quantidades de álcool em horário laboral”.
O relatório e a acusação
A acusação da empresa foi sustentada num relatório elaborado por um detective privado. O documento descrevia episódios em que o trabalhador teria comprado e bebido cerveja em obras de Murcia e Cartagena, durante as pausas para almoço, revela o jornal online espanhol Notícias Trabajo.
O mesmo relatório detalhava a ingestão de cervejas em garrafas de litro e referia que, por vezes, o consumo era partilhado com colegas. A empresa argumentou que este comportamento colocava em risco a segurança, uma vez que o trabalhador conduzia veículos corporativos.
A base legal para o despedimento
A entidade empregadora apoiou-se no artigo 54.2 do Estatuto dos Trabalhadores espanhol. A norma prevê o despedimento por “transgressão da boa fé contratual e abuso de confiança no desempenho do trabalho”.
Além disso, apontou ainda a “embriaguez habitual ou toxicomania que repercutem negativamente no trabalho” como motivo para a decisão. O funcionário não aceitou esta versão e decidiu contestar a decisão, explica ainda a mesma fonte.
Primeira decisão judicial
Numa primeira instância, o tribunal deu razão à empresa. O juiz entendeu que os factos descritos na carta correspondiam a uma quebra da confiança necessária na relação laboral.
A decisão validava assim o despedimento, mas o trabalhador recorreu, alegando que não se provava o efeito do álcool no desempenho das funções.
O caso chegou ao Tribunal Superior de Justiça de Murcia. Aqui, os juízes analisaram de forma diferente as provas apresentadas. “Não é possível estabelecer a cerveja que consumiu o trabalhador, que não consta que lhe afetasse para nada na sua conduta produtiva”, referiu o acórdão.
A falta de provas objetivas
O tribunal sublinhou que não havia qualquer indício de que o trabalhador tivesse ultrapassado os limites legais de alcoolemia. Também não ficou demonstrado que tivesse conduzido sob efeito de álcool nem que o seu rendimento tivesse sido prejudicado.
Outro ponto relevante foi a comparação com outro funcionário envolvido nos mesmos episódios. Nesse caso, a empresa aplicou apenas uma suspensão de 20 dias sem salário. O acórdão questionou a diferença de tratamento: “Por o mesmo motivo, a empresa impôs duas sanções diferentes”, refere ainda o Notícias Trabajo.
Reclassificação da infração
O tribunal referiu que, segundo o contrato coletivo da região, situações como a descrita correspondem a uma falta grave e não a uma falta muito grave. Ou seja, não havia base suficiente para aplicar a sanção mais severa prevista pela lei laboral, que é o despedimento disciplinar.
O Tribunal Superior concluiu que não existia fundamento para manter a acusação de quebra de boa fé contratual. “A conduta do trabalhador não alcançou a gravidade suficiente”, reforçou a decisão. Assim, o despedimento foi declarado improcedente.
Consequências para a empresa
A empresa foi condenada a reintegrar o trabalhador ou a pagar-lhe uma indemnização de 47.028,60 euros. Se optar pela readmissão, terá ainda de liquidar os salários correspondentes ao período em que o processo decorreu. A decisão representa uma vitória para o funcionário, que procurou até ao fim contestar a acusação.
O paralelo com Portugal
Em Portugal, o Código do Trabalho também prevê despedimento por justa causa em casos de consumo de álcool. Contudo, exige que exista impacto direto e comprovado no desempenho da função ou na segurança.
A jurisprudência portuguesa valoriza igualmente a proporcionalidade da sanção, distinguindo entre faltas graves e situações que justifiquem o afastamento definitivo.
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