No artigo de Outubro de 2021 referi-me a Carlos Brito quando escrevi sobre pontes culturais e transfronteiriças.
Este ano volto a Carlos Brito como segundo “convidado” desta nova rubrica chamada “Diálogos (in)previstos”, porque este mês completa 89 anos e porque sei que tem muito para partilhar.
Este diálogo decorreu em Alcoutim, em sua casa, sobre o Rio Guadiana, onde foi feito o registo fotográfico.
Nesta vila viveu com a família, a infância (regressou de Moçambique com 3 anos de idade) e parte da juventude.
Actualmente reside com a esposa numa casa sobre o rio, onde mantém a sua actividade literária e participação cívica.
A actividade literária teve início em Lisboa, quando frequentava o Instituto Comercial (actual ISCAL) onde, com outros jovens, organizou recitais e colaborou em vários jornais e revistas.
Aos 20 anos foi preso pela PIDE, pela primeira vez. Voltou a ser preso mais duas vezes, tendo cumprido um total de oito anos de prisão. Em 1967 passou a participar na direcção do Partido Comunista Português.
No dia 25 de Abril de 1974 estava em Lisboa, clandestino, e era responsável pela organização partidária na capital. Em 1975 foi eleito deputado à Assembleia Constituinte pelo Algarve. De 1976 a 1991 exerceu sem interrupção o mandato de deputado, tendo desempenhado durante quinze anos as funções de presidente do Grupo Parlamentar do PCP.
Em 1980 foi candidato à Presidência da República. Entre 1992 e 1998 foi director do jornal Avante!. Em 1997, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2004, com a Ordem da Liberdade (Grande-Oficial). Após ter deixado de ser deputado publicou vários livros.
Aqui fica parte do nosso diálogo:
P – No mês em que completa 89 anos e com tudo o que a vida lhe reservou, que frase usaria para descrever a sua vida?
R – Muita luta, algumas decepções, grandes alegrias e sempre esperança na mudança para melhor do nosso País e do Mundo.
P – Quais as melhores memórias que tem da sua infância?
R – A melhor memória é a do ambiente carinhoso do meu núcleo familiar, a seguir vêm as memórias do rio: nadar, pescar, velejar. Lembro-me muito do meu «charuto», uma espécie de Kayak de construção artesanal. Com ele passava horas a vogar rio abaixo, rio acima.
P – Quando esteve preso imaginou que chegaria a esta idade?
R – Não pensava nisso. Na altura, a esperança de vida à nascença era, no nosso país, muito mais baixa do que é actualmente. Mas sentia-me com força para viver, apesar das ameaças que me cercavam.
P – Quais os livros que leu na prisão?
R – Imensos. Oito anos de prisão nas cadeias da ditadura, para não serem improdutivos, tinham que ser aproveitados para ler. E não li mais porque a PIDE e os carcereiros às suas ordens, em certos períodos, não me permitiam receber livros.
Assim de repente, lembro-me de alguns. De autores portugueses: Os Maias de Eça de Queiroz, Quando os Lobos Uivam de Aquilino Ribeiro, Seara de Vento de Manuel da Fonseca, na ficção.
De poesia: No Reino da Dinamarca de Alexandra O´Neill, Pedra Filosofal de Jorge de Sena, Poesias Completas de António Gedeão.
De autores estrangeiros: Guerra e Paz de Lev Tolstoi, Os Thibault de Roger Martin du Gard. Nineteen Nineteen de John dos Passos, Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado. Deste livro até escrevi uma crítica, numa carta para a minha Mãe, que o Jornal do Algarve publicou.
Também li muita história universal e história de Portugal, especialmente do período que vai da Revolução de 1820 à República, sobre qual fiz um estudo sistemático.
P – Está a escrever algum livro?
R – Além de artigos para jornais e revistas, estou a escrever um romance sobre a minha geração. E vou escrevendo poesia. Gosto de fazer palavras cruzadas e recomendo às pessoas idosas! A minha escrita são as minhas palavras cruzadas e por isso vou escrevendo sem nenhum compromisso de concluir.
P – Qual é o seu sentir sobre o Algarve actualmente?
R – O Algarve é um paraíso. Penso em todo o caso que precisa de grandes mudanças. O turismo deve ser desenvolvido, modernizado e em geral valorizado, mas é essencial acabar com a monocultura do turismo e encontrar outras áreas de desenvolvimento com novas ofertas turísticas. E a Luísa sabe bem disso, pois não lhe faltam ideias e que tem colocado em prática, valorizando a região.
O Algarve já teve indústria e uma agricultura florescente e tem as maiores potencialidades no domínio das pescas.
É preciso um grande empenhamento do sector público, privado e sector cooperativo para encontrar estas áreas novas de desenvolvimento.
Há, entretanto, no domínio público, importantes carências que têm de ser preenchidas. Na saúde, entre muitos outros aspectos, um novo hospital há muito prometido. No domínio das acessibilidades, é necessária a modernização de toda a via ferroviária e a sua ligação com Espanha.
P – Acredita que este Governo vai dar seguimento ao processo da Ponte Alcoutim – Sanlúcar?
R – Com a governação de António Costa estou convencido que a ponte vai para a frente, o que é da maior importância não só para Alcoutim, mas para todo o Nordeste Algarvio e para os «Campos Brancos» do Baixo Alentejo. Aliás, agora a estabilidade governativa está assegurada com a maioria absoluta do PS, que é essencial para enfrentar a pandemia, desenvolver a economia, melhorar os serviços públicos, elevar salários, ordenados e pensões.
Espero que haja diálogo com os partidos à sua esquerda, PCP e BE, que tão penalizados foram por terem chumbado o Orçamento para 2022 e que têm agora oportunidade para se redimir desse mau passo.
* A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
* Investigadora na área da Sociologia;
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa
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