Stefan Zweig deve morrer, de Deonísio da Silva, publicado pela Minotauro (Grupo Almedina), foi publicado em janeiro deste ano. Dividido em duas partes, narra-nos o último dia da vida do escritor Stefan Zweig, um dos mais importantes e mais conhecidos escritores da década de 1940 especialmente pelas suas várias biografias, como a de Fernão de Magalhães. Inimigo declarado do Reich alemão, vivia então refugiado no Brasil na companhia da mulher, Lotte, a judia-polaca Charlote Altman. A ação centra-se num único dia, 23 de fevereiro de 1942, em que Zweig narra na primeira pessoa aquelas que sabe serem as suas últimas horas de vida: o romance ecoa assim, de modo próprio, livros como a Crónica de uma Morte Anunciada ou Ulisses. Desta forma, pelo menos na primeira parte do livro, o autor segue a opinião geral dos biógrafos que afirmam que o casal se suicidou. Viviam no Brasil desde agosto de 1940; foram encontrados mortos na casa onde viviam, em Petrópolis, Rio de Janeiro, a 23 de fevereiro de 1942. Contudo, e mais concretamente na segunda parte do livro, vamos conhecendo o grupo de agentes do Reich que terá planeado e executado a morte do escritor: «Nós vamos executar o inimigo intelectual número um do Reich» (p. 96). De Charlote Altman, por ser mulher, quase não se fala; tanto que o autor se sente no direito de lhe conceder um capítulo só seu, narrado nas suas próprias palavras – o que mais uma vez nos remonta para a leitura de Ulisses, onde James Joyce concede as últimas páginas à corrente de consciência de Molly Bloom, a mulher do protagonista Leopold Bloom. Neste livro, curiosamente, a obra do autor que mais se destaca (referida diversas vezes) é Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher.
Stefan Zweig deve morrer resulta num divertido pastiche literário, em que se cita (na verdade, reescreve-se) Luís de Camões na epígrafe de cada capítulo, com ironia e humor. Os diálogos, quer entre os agentes do Reich quer entre os policiais que tentam compreender se é crime ou suicídio, são igualmente divertidos e com alguns equívocos. Simultaneamente, em especial na primeira parte, há uma certa meditação sobre o mundo e a vida, num tempo crítico e de crise existencial como o Holocausto, ao qual Zweig conseguiu fugir: «o continente abandonou a civilização superior, constituída em refúgio seguro para a humanidade, metendo-se todas as nações numa guerra bestial» (p. 41). No Brasil, nação que Zweig apelidou de “país do futuro”, contudo, parecem alheados ao que se passa do outro lado do oceano. E, subtilmente, o país também não escapa à crítica do autor.
Apoiado nas contradições dos relatos e nas lacunas das biografias, Deonísio da Silva parte do princípio que os dois podem ter sido assassinados.
«Um escritor sabe coisas que não pode demonstrar, que parecem inverossímeis a quase todos, que só se deparam com a verdade anunciada, depois de acontecida.» (p. 108)
A hipótese que o casal terá sido assassinado por nazis em conluio com o governo de Getúlio Vargas tem sido aventada por outras personalidades de renome.