QUERIDOS POMBINHOS
Vai longe o tempo da pomba branca branquinha de que falam as referências bíblicas, símbolo da paz, de alimento, remédio e bênção divina. Os bandos de pombos que invadiram praças e esplanadas já não trazem ramos de oliveira para Noé. Agora, enchem o bico e o papo com migas de pão, lascas de bolos, restos de pizza e tudo o que conseguem arrebanhar junto de clientela condescendente e generosa. Aliás, tornaram-se mesmo atrevidos, saltitando directamente de telhados e de chãos para as mesas onde os humanos comem. É curiosa a permissividade de tanta gente ultra-sensível a todo o género de vírus, bactérias, germes e bicharada diversa e que parece indiferente ao potencial transmissivo de doenças através do efectivo columbófilo (e não só). É longa a lista de patologias: clamidiose, salmonella, criptococose, histoplasmose, ornitose, dermatites, tuberculose aviária, alergias em geral, potenciador de meningite. Ademais, dizem os entendidos que os pombos são hospedeiros de ectoparasitas como percevejos, carraças, pulgas, piolhos, ácaros. As fezes são muito ácidas, altamente corrosivas para os monumentos, as igrejas e outros edifícios da sua preferência. Esta paleta de tintas tão carregadas corre o risco de ser injusta para os bichinhos.
“Tudo isto suscita perguntas e respostas. Queremos TGV? Todos! É caro? Muito! Há dinheiro? Não se sabe!“
Os pombos são super-inteligentes, acrobatas, pais extremosos, monogâmicos, adoráveis, os primeiros entre os primeiros seres vivos que interagiram com os humanos. Os pombos já foram carteiros indispensáveis em tempo de guerra, foram precursores dos telegramas e fazem a alegria dos desportistas da especialidade de longas distâncias. A sua voz parece um ponteiro da tranquilidade. Picasso inspirou-se neles para a tela, até baptizou a filha de Paloma. Quem é que não cantou em pequenino a canção do “lá vai uma, lá vão duas, três pombinhas a voar, uma é minha, outra é tua, outra é de quem a apanhar”? Mas, como tudo na vida, o que é demais não presta. A Direcção Geral de Veterinária e as autarquias não podem ignorar este problema que transformou este bichinho querido numa praga em vilas e cidades. Peçam auxílio a predadores, coloquem espantalhos, instalem superfícies reflectoras, repelentes sonoros, espigões ou balões metalizados, usem água com pressão. Disponibilizem dispensadores com anticoncepcionais próprios para controlar a natalidade sem freio. Mas, acima de tudo, expliquem aos cidadãos que alimentar pombos de forma intencional ou acidental foi o que os retirou do seu ambiente natural (os campos) e lhes adulterou a dieta original. A renaturalização também é isto.
LIBERDADE PARA ROUBAR
A administração da Justiça em Portugal é um enigma e uma lotaria, para não chamar um nome feio. Para um mesmo crime, para a mesma lei, cada juiz sua sentença. Depende do sítio e da instância. Cá por baixo, um fulano foi caçado em Vila Real de Santo António a praticar o roubo da moda, ou seja, catalisadores de automóveis, e ficou logo preso preventivamente por ordem de uma senhora procuradora da República. Lá pelo Norte, outro larápio a operar no mesmo ramo de actividade, também conhecido como o “rei dos catalisadores”, já foi apanhado oito vezes em flagrante delito sem nunca recolher aos calabouços por esse tipo de façanhas. Sempre que libertado, reincidiu logo de seguida, num autêntico gozo aos agentes da autoridade e desprezo pelas vítimas da roubalheira. Se a Justiça vale ouro, a platina que um catalisador contém vale ainda mais, e a moldura penal aplicável tem valor de lata. Tratando-se de um “crime semipúblico”, indo a pena até 3 anos de prisão, dizem lá pelo Norte que não se aplica a prisão preventiva. Aprendam com o Algarve.
ALTAS VELOCIDADES
Em tempo de aflição e desacerto o Governo maioritário sacou da cartola o coelho TGV, a pular de Lisboa ao Porto aos saltinhos e aterrando em Vigo. É esperar para ver, e ver para crer. De anúncio em anúncio, há três décadas que se projectam mapas de ligações ferroviárias de alta velocidade a disparar em todas as direcções rumo à Europa. Até agora, nem um centímetro saiu do papel ou do microfone. Cristóvão Norte, o deputado-sombra do PSD que anda mais activo do que quando estava no solário do Parlamento, lembrou avisadamente que o País encolhe a Norte, mas o Algarve fica de fora (seguindo, aliás, esta tradição secular de ficar sempre para último). José Apolinário, o responsável pela CCDRA, foi a Vila Nova de Gaia defender a ligação prioritária Faro-Huelva-Sevilha sem esquecer o melhoramento da linha convencional no troço Tunes-Torre Vã, e está carregado de razão. Tudo isto suscita perguntas e respostas. Queremos TGV? Todos! É caro? Muito! Há dinheiro? Não se sabe!
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico