A Plataforma Água Sustentável (PAS) criticou esta quarta-feira o projeto-piloto que tenciona criar o primeiro sistema de aproveitamento hidroagrícola de múltiplas origens do país, no sotavento (este) algarvio, por destinar investimento público à rega em explorações privadas.
O projeto foi anunciado pelo diretor regional de Agricultura do Algarve, Pedro Valadas Monteiro, que destacou à Lusa o seu caráter pioneiro, por permitir regar cerca de 600 hectares de explorações agrícolas com água proveniente de três fontes distintas: da barragem de Odeleite, de aquíferos em recuperação e de águas residuais tratadas na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Vila Real de Santo António.
A PAS mostrou-se crítica quanto ao projeto anunciado por aquele responsável e manifestou, num comunicado, o seu “mais profundo desagrado e oposição à operacionalização do investimento para o projeto, cujo objetivo é ajudar a região a fazer frente à falta de água e aos efeitos da seca. A plataforma, que reúne várias associações ambientais e cívicas, justificou a sua oposição ao projeto por considerar que este “pretende gastar o dinheiro que é de todos para, aparentemente, beneficiar maioritariamente duas empresas privadas em prejuízo do interesse público, hipotecando o futuro das novas gerações”.
A PAS quer que a Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve preste esclarecimentos adicionais sobre o projeto, no qual estão previstos investimentos “entre os três e os quatro milhões de euros” para beneficiar 500 a 600 hectares, incluindo duas grandes explorações de monocultura de abacates”, e endereçou várias questões àquele organismo.
O investimento inclui obras como a recuperação de dois aquíferos ou a criação de condutas de para levar as águas residuais tratadas da ETAR de Vila Real de Santo António até aos reservatórios das explorações agrícolas beneficiadas, previstas no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve e financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
No entanto, a plataforma manifestou-se contra a utilização de fundos públicos para promover rega em monoculturas de abacate, em vez de servir para garantir o consumo humano de água, criticando as opções previstas.
“Dessalinizadora, que disponibiliza água de mais baixa qualidade e muito mais cara, fica para consumo humano”
“Ou seja, a água da barragem e de aquíferos subterrâneos, de melhor qualidade e mais barata, irá servir os interesses da agricultura intensiva. Em contrapartida, a dessalinizadora, que disponibiliza água de mais baixa qualidade e muito mais cara, fica para consumo humano, onerando as despesas das famílias”, protestou. A plataforma lamenta que a DRAP, “em vez de adaptar os consumos aos recursos hídricos” existentes”, e “a pretexto de uma pretensa eficiência hídrica e económica”, se prepare para “consumir e poluir as águas dos aquíferos do sotavento”, em vez de “constituir uma reserva estratégica para consumo humano”.
Nas perguntas destinadas à DRAP, a PAS quer saber se a área agrícola a beneficiar já existe ou vai ser criada, quais são as empresas que vão receber a água proveniente do novo sistema de múltiplas origens, se estas têm sede em Portugal ou se têm títulos de utilização de recursos hídricos válidos.
A plataforma quer ainda que a DRAP esclareça, entre outras questões, se os “normativos da RAN [Rede Agrícola Nacional], da REN [Rede Ecológica Nacional] e eventualmente da Rede Natura 2000 nessa área de 600 hectares a beneficiar são respeitados” e se “há um estudo e uma Avaliação de Impacto Ambiental para esse aproveitamento hidroagrícola”.