AGRICULTURA ALGARVIA – PROBLEMA OU SOLUÇÃO?
Quantos algarvios saberão que existem (ou existiram?…) na Região 85 variedades diferentes de figueiras, com nomes característicos de que se podem citar sem ofensa as chamadas “Colhão do Mundo”, “Cu de Burro” ou “Passanuda”. Ou que só de amendoeiras se elencam 104 (!…) variedades, como a “Galamba de Boliqueime” (quem diria?…), a “Patarata” ou o “Cristo Morto”. E, para terminar a trindade sagrada dos frutos secos do Algarve, citem-se 43 variedades de alfarrobeiras, de cujos nomes insólitos se podem exemplificar a “Costela de Vaca”, “Cueca” ou “Machorro de Flor Vermelha”.
Um obrigado eterno a João Costa (de Querença) e a Armindo Rosa (de Castro Marim), que ao serviço da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve produziram três obras preciosas de caracterização destas culturas de sequeiro.
Dobrar a espinha na terra, parece desmobilizador face ao emprego debaixo de telha e no ar condicionado
Pergunte-se de novo. Quantos algarvios sabem disto, quantos querem saber disto? Poucos, certamente. De forma acelerada, o sector da Agricultura tem perdido lugar de destaque na comunicação social regional. Vão longe os tempos das épicas manifestações reivindicativas, dos cortes de estrada, dos desfiles de tractores. Deu-se conta do roubo de alfarrobas quando o preço disparou fugazmente sem explicação. Agora em baixa, já nem roubar compensa.
Em 1970, 45% da população activa algarvia labutava no sector primário. Hoje, anda na casa dos 8%. A estrutura fundiária do Algarve, e a qualidade dos solos, não permite grandes ilusões agrárias. A agricultura de subsistência praticamente desapareceu, e o interior desertificou-se. O fogo avançou. Poucos jovens vêem na agricultura um futuro alternativo e compensador aos sectores dos serviços, do comércio, do turismo. Dobrar a espinha na terra, parece desmobilizador face ao emprego debaixo de telha e no ar condicionado. No entanto, existem espaços, ilhas, oportunidades, clusters, fileiras, nichos, onde o Algarve rural pode e deve ser aproveitado.
A UAlg, e bem, tem os seus cursos de Agronomia. Oxalá que os jovens estudantes aprendam que o novo caminho da agricultura passa pela inovação tecnológica. Que saibam aproveitar a enorme quantidade de dados de que a União Europeia dispõe por via satélite, os quais possibilitam medir a saúde do solo a partir do espaço, a capacidade de absorção de água pela terra. Claro que isto requer infraestruturas de ligação à internet de alta velocidade, do cabo, da tecnologia 5G, que existem sobretudo nas cidades. Ainda não chegam aos campos, na maioria dos casos. Entretanto, a ciência está a desenvolver novas culturas, mais resistentes às pragas e às alterações climáticas. Pode-se cultivar melhor, com menos água e menos pesticidas.
Vamos por aí! Há quem pareça muito empenhado em declarar a guerra santa contra os abacateiros e, pelos vistos, contra os citrinos também, alegando o excessivo consumo de água, enquanto se desperdiça em abundância nas redes de distribuição obsoletas, nas nascentes desaproveitadas. Como se vê, em tempo de guerra, a segurança alimentar é fundamental para um País ou uma Região. A Agricultura e a preservação da Natureza podem caminhar de mãos dadas. E os agricultores não devem ser vistos como um problema, mas como uma solução.
OS CINQUENTA ANOS DA CIMPOR
Com o nome de CISUL, a fábrica de cimento instalou-se no Cerro da Cabeça Alta, meia dúzia de quilómetros a poente de Loulé ainda no tempo da outra senhora. Hoje, rebaptizada de CIMPOR, está a comemorar os cinquenta anos de existência, segundo rezam as crónicas, e prepara-se para outro meio século, assim o permitem as jazidas das três pedreiras exploradas pela empresa. Destas três, é a do Cerro da Cabeça Alta que tem sido e, pelos vistos, vai continuar a ser, um pesadelo para as populações das aldeias vizinhas do Parragil e da Picota, cujas casas continuam a sofrer com os impactos das descargas de explosivos, seguramente acima dos níveis suportáveis para não verem as suas paredes e cisternas rachadas.
Esta sismologia cimenteira continua a verificar-se com regularidade frequente, cujos danos estão à vista de quem quiser ir ver. Se as pessoas se queixam ou não, ou a quem se queixam, é outra questão. Durante muitos anos, permaneceu naquelas aldeias um equipamento que permitia medir os impactos e até a qualidade do ar. Parece que era a própria Cimpor quem se fiscalizava a si própria. Os resultados desses registos nunca foram dados a conhecer às populações afectadas. E agora, pelo que se sabe, o equipamento terá sido retirado.
Finalmente, resta o horrível impacto paisagístico, visível a partir da orla meridional na zona de Vilamoura. Uma autêntica clareira vertical de pedra, uma cicatriz alargada no meio do coberto vegetal do Cerro da Cabeça Alta.
Do plano de recuperação paisagística prometido há quase duas décadas ao então deputado que aqui assina, não se vê traço nenhum. Esta fábrica é sem dúvida uma mais-valia da Região, embora se possa suspeitar que o grosso dos impostos gerados pela sua actividade seja depositado noutra sede contabilística. Ali se geraram muitos empregos e se municiou a indústria da construção civil e das obras públicas. Porém, ao celebrar meio século de existência, ficaria bem à Cimpor que limpasse estas manchas da casaca, pedisse desculpa a quem prejudica(ou) e mostrasse vontade de resolver os problemas que causa.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: Meio século depois, a desigualdade galopante | Por Mendes Bota