O orçamento de um país dá a conhecer as prioridades e a orientação política dos governos que os preparam (e executam). Vejamos, então, o essencial em matéria macroeconómica da proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2024. Espera-se que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 1,5% em termos reais, sendo possível atingir um (novo) excedente orçamental a rondar os 0,2% do PIB. Há, ainda, uma redução do peso relativo da dívida pública, ficando esta abaixo do patamar dos 100% do PIB, algo inédito nos últimos 15 anos. Infelizmente, prevê-se um novo aumento da carga fiscal já que se estima que a receita fiscal e as contribuições cresçam, em termos homólogos, 5% e 4,9%, respectivamente. Dito isto, o OE 2024 prevê um aumento moderado dos impostos diretos (IRS e IRC) na ordem do 1%, com os impostos indirectos a disparar 9%. É este ajuste na fiscalidade indirecta, a qual é pouco compreendida pelas famílias, que permite reduzir o IRS da classe média em cerca de 1.5 mil milhões de euros.
Apesar de o Algarve ser o maior cartão de visita turístico do País (sector que responde já por 8.7% do PIB nacional), criando 5% da riqueza produzida em solo lusitano, tem vindo a ser consecutiva e inexplicavelmente ignorado pelo poder central
Poder-se-á então dizer que, do ponto de vista macroeconómico, o OE 2024 é conservador, o que não nos parece desadequado em face da conjuntura actual. Dita a enorme incerteza, a qual resulta das tensões geopolíticas (que podem afectar dramaticamente a dinâmica económica mundial), do arrefecimento das principais economias da zona Euro (com destaque para a Alemanha) e do binómio inflacção-taxas de juro, que o País tem de tomar medidas orçamentais que lhe permitam continuar a aceder aos mercados financeiros e que gerem uma folga orçamental para materializar medidas anti-cíclicas extraordinárias. Ao mesmo tempo, é importante que o orçamento para 2024 suporte a manutenção da trajectória de crescimento económico e que proceda ao desagravamento da factura fiscal directa da já muito empobrecida classe média nacional.
É, no entanto, preciso criticar a voracidade fiscal deste governo, a qual se repete neste OE, e que promete colocar a carga fiscal nacional nos 37,2% do PIB em 2024, um novo recorde nacional. Cumulativamente, deve merecer reparo a fortíssima degradação que estamos a assistir no nível do serviço prestado à população, algo que é demonstrado à saciedade pelo que vamos vendo em sectores-chave como a Saúde, a Educação e a Justiça. Reparo igual deve ser deixado à falta de rasgo no investimento público, que só não é mais grave em face da enorme abundância de verbas disponibilizadas pela União Europeia, algo que contribui decisivamente para afastar os mais jovens do País.
O que o OE 2024 reserva para o Algarve?
Este é o mote para olhar para o que o OE 2024 reserva para o Algarve, palavra que aparece em 49 ocasiões no documento que foi apreciado na generalidade pela Assembleia da República no dia 31 de Outubro. Sem surpresa, a maioria destas entradas são irrelevantes havendo, no entanto, duas que merecem destaque pela positiva. A primeira é a referência à construção da prometida unidade de dessalinização no Algarve. O problema da água é, quiçá, o mais sério que a região enfrenta no imediato, pelo que tem de existir um esforço sério do governo para o mitigar. Um segundo aspecto positivo é a menção explícita ao lançamento do concurso para a construção do novo Hospital Central do Algarve (e do Centro Regional de Oncologia do Algarve). Esta é, provavelmente, a obra de grande dimensão mais consensual (e desejada) a sul, já que abre uma janela de oportunidade para melhorar a débil capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde na região. Fora estas duas dimensões, o OE 2024 traz uma nota sobre a extensão do Programa de Promoção de Sucesso e Redução de Abandono no Ensino Superior ao Algarve e outra sobre a possibilidade de adaptar o Programa Apoio à Renda para auxiliar a colocação de professores na nossa região. Infelizmente, não são dados quaisquer detalhes sobre estas medidas, pelo que é impossível antever a sua real importância no combate ao flagelo da degradação da qualidade do ensino público no Algarve e no estancar dos elevados níveis de insucesso escolar na região.
Devemos, então, ficar satisfeitos? A resposta é um claro não por três ordens de razão. A primeira é que o OE 2024 apenas responde a uma parte muito pequena das promessas que foram sucessivamente feitas ao Algarve. Infelizmente, a maioria tarda em avançar no terreno, pelo que temos motivos para estar vigilantes sobre a efectiva concretização das obras do Hospital Central do Algarve e da dessanilizadora. A segunda prende-se com a falta de resposta para várias das questões que, cronicamente, flagelam a nossa região. O tema dos transportes, da coesão territorial, da degradação ambiental, da promoção dos sectores primário e secundário, da habitação e da integração dos muitos imigrantes que vivem na região e, paradoxalmente, a falta crónica de financiamento significativo da Região de Turismo do Algarve para cumprir a sua missão de promover o destino, são bons exemplos do que continua olimpicamente por resolver. A terceira, e mais importante, é o pouco carinho que a maioria dos governos tem para com a nossa região. De facto, apesar de o Algarve ser o maior cartão de visita turístico do País (sector que responde já por 8.7% do PIB nacional), criando 5% da riqueza produzida em solo lusitano, tem vindo a ser consecutiva e inexplicavelmente ignorado pelo poder central. Temos, pois, de exigir a todos, começando por nós próprios, mais compromisso para com esta maravilhosa região de Portugal.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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