A guerra no Leste Europeu evidenciou o que era conhecido, fragilidades do sistema alimentar mundial e especulação nos circuitos de comercialização de bens essenciais que originam a actual inflação em alta que atinge sobretudo a população trabalhadora e os pensionistas.
A situação é potenciada pelo facto de diversos países produtores de cereais terem reduzido ou mesmo suspendido exportações por razões de segurança alimentar dos próprios.
Se há capacidade suficiente para a humanidade produzir os alimentos de que necessita, a tendência mundial tem sido o abandono das produções tradicionais e das espécies endógenas, a dependência de mercados externos, desflorestação e destruição de ecossistemas, pressão sobre recursos hídricos, uso de combustíveis fósseis e fertilizantes, urbanização intensiva com ocupação de solos de boa aptidão agrícola, sobreexploração da pesca nos oceanos.
Cerca de 80% do consumo baseia-se em cinco produtos, trigo, milho, arroz, batata e soja. Corolário da lógica mercantil estima-se que 30% dos alimentos produzidos vão parar às lixeiras.
Sendo a alimentação um direito básico universal, tem de ser garantida a perspectiva ambiental e social.
E Portugal?
O País nas últimas décadas transformou-se do ponto de vista agrícola e alimentar, o estilo de vida foi alterado, aumentaram doenças relacionadas com a má alimentação, o consumismo e a sedentarização, agravando a pressão sobre o SNS e os custos dos orçamentos públicos de saúde.
Grandes e pequenas cidades que há anos garantiam produções da agricultura de proximidade em mercados de bairro, dependem agora de algumas grandes cadeias de comercialização.
E a Dieta Mediterrânica? Na última década Portugal integrou com outros seis países, Espanha, Itália, Croácia, Grécia, Chipre e Marrocos, a candidatura da Dieta Mediterrânica a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, aprovada em Baku a 4 de Dezembro de 2013, por unanimidade e sem recomendações. Em breve este processo merece avaliação e reflexão, com abertura a novos Países.
A Dieta Mediterrânica resulta da sabedoria de camponeses e pescadores, em especial das mulheres, saber fazer “muito com pouco” para alimentar a família alargada, com os produtos da horta e do pomar, do mar, do rio e ribeiras. São normalmente pratos nutritivos, saborosos e aromatizados, caldos com pedaços de carne ou peixe, sopas de hortaliças, ensopados, açordas,
A protecção, tal como a investigação, valorização e divulgação da Dieta Mediterrânica são crescentemente necessárias não só porque é uma riquíssima herança cultural e um estilo de vida milenar, a “daiata” da antiguidade grega, como responde a emergências actuais.
A Dieta Mediterrânica é um padrão alimentar saudável reconhecido pela OMS, nutricionalmente variada e rica, as comunidades alimentam-se de acordo com os ciclos da natureza. Cada época do ano tem os seus produtos e pratos característicos que integram as festividades, valoriza a tradição comunitária e alimentar, isto é o património cultural do País.
Do ponto de vista agrícola a DM integra as “dietas sustentáveis” da FAO, tem por base agriculturas de proximidade, utiliza a água de forma racional, reduz as emissões de CO2, pois não necessita de transportes de longa distância, ajuda a preservar os ecossistemas, a conter os efeitos das alterações, garantindo a segurança alimentar das populações.
A sua dimensão cultural favorece a coesão social, valoriza a História e o património.
Do ponto de vista económico favorece os agricultores e os produtos locais, pode reactivar os mercados de bairro e localidade. Os efeitos positivos no turismo são relevantes, crescente é a procura de lugares com relações sociais humanizadas, cultura e património, ambientalmente preservados, com gastronomia diferenciadora.
A Dieta Mediterrânica é um dos modelos alimentares mais estudados no mundo e terá de ser melhor promovida nas políticas publicas de saúde, ambientais, agrícolas e culturais, incluída nos currículos escolares, não apenas no plano da nutrição. Em Portugal é leccionada no ensino básico.
Por iniciativa da UAlg dezanove Universidades e Escolas Superiores portuguesas assumiram um protocolo de investigação e valorização deste património da humanidade.
O autor não escreve segundo o acordo ortográfico
* Membro da delegação de Portugal à Conferência da UNESCO em Baku, inscrição da Dieta Mediterrânica como Património Cultural Imaterial da Humanidade a 4 de Dezembro de 2013